terça-feira, dezembro 22, 2009

Uma história para o dia de Natal

Conta uma antiga e conhecida lenda, que há cinco mil anos três cedros nasceram nas lindas
florestas do Líbano. Como todos nós sabemos, os cedros levam muito tempo para crescer, e estas árvores
passaram séculos inteiros pensando sobre a vida, a morte, a natureza, os homens.
Presenciaram a chegada de uma expedição de Israel, enviada por Salomão, e mais tarde viram a
terra coberta de sangue durante as batalhas com os assírios. Conheceram Jezabel e o profeta Elias,
inimigos mortais.
Assistiram a invenção do alfabeto, e deslumbraram-se com as caravanas que passavam, cheias de
tecidos coloridos.
Um belo dia resolveram conversar sobre o futuro.
- Depois de tudo o que tenho visto - disse a primeira árvore - quero ser transformada no trono do
rei mais poderoso da terra.
- Eu gostaria de ser parte de algo que transformasse para sempre o Mal em Bem - comentou a
segunda.
- Por meu lado, queria que toda vez que olhassem para mim pensassem em Deus - foi a resposta
da terceira.
Mais algum tempo se passou, e lenhadores apareceram. Os cedros foram derrubados, e um navio
os carregou para longe.
Cada uma daquelas árvores tinha um desejo, mas a realidade nunca pergunta o que fazer com os
sonhos; a primeira serviu para construir um abrigo de animais, e as sobras foram usadas para apoiar o
feno. A segunda árvore virou uma mesa muito simples, que logo foi vendida para um comerciante de
móveis. Como a madeira da terceira árvore não encontrou compradores, foi cortada e colocada no
armazém de uma cidade grande.
Infelizes, elas se lamentavam: “Nossa madeira era boa, e ninguém encontrou algo de belo para
usá-la”.
Algum tempo se passou e, numa noite cheia de estrelas, um casal que não conseguia encontrar
refúgio resolveu passar a noite no estábulo que tinha sido construído com a madeira da primeira árvore. A
mulher gritava, com dores do parto, e terminou dando a luz ali mesmo, colocando seu filho entre o feno e
a madeira que o apoiava.
Naquele momento, a primeira árvore entendeu que seu sonho tinha sido cumprido: ali estava o
maior de todos os reis da Terra.
Anos depois, numa casa modesta, vários homens sentaram-se em torno da mesa que tinha sido
feita com a madeira da segunda árvore. Um deles, antes que todos começassem a comer, disse algumas
palavras sobre o pão e o vinho que tinham diante de si.E a segunda árvore entendeu que, naquele
momento, ela sustentava não apenas um cálice e um pedaço de pão, mas a aliança entre o homem e a
Divindade.
No dia seguinte, retiraram dois pedaços do terceiro cedro, e o colocaram em forma de cruz.
Deixaram-no jogado em um canto, e horas depois trouxeram um homem barbaramente ferido, que
cravaram em seu lenho. Horrorizado, o cedro lamentou a herança bárbara que a vida lhe deixara.
Antes que três dias decorressem, porém, a terceira árvore entendeu seu destino: o homem que ali
estivera pregado era agora a Luz que tudo iluminava. A cruz feita com sua madeira tinha deixado de ser
um símbolo de tortura, para transformar-se em sinal de vitória.
Como sempre acontece com os sonhos, os três cedros do Líbano tinham cumprido o destino que
desejavam - mas não da maneira que imaginavam.

Paulo Coelho


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quinta-feira, dezembro 03, 2009

Entrevista Com Kátia Webster: Doroty Stang

ADITAL - Agência de Informação Frei Tito para a América Latina


Entrevista com Kátia Webster: Dorothy Stang. Um crime ainda impune


"O principal legado que a Dorothy deixou foi a forma como ela viveu, ou seja, tratando a terra como se fosse sua mãe", revela a irmã Kátia Webster na entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone. Ela relembra momentos da vida de irmã Dorothy Stang com quem trabalhou durante 11 anos, no Pará, lutando pelos pobres que não têm terra e são oprimidos pelos madeireiros e fazendeiros da região. No próximo dia 10, o assassino da irmã Dorothy será julgado, quase cinco anos depois de matar a irmã estadunidense. "Os mandantes continuam respondendo em liberdade. Continuam impunes no sentido que os processos de investigação e julgamento não têm chegado ao júri. A esperança é que, no próximo ano, eles sejam finalmente julgados", explicou a irmã Kátia, que faz parte da Congregação das Irmãs de Notre Dame.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quando a senhora conheceu a Ir. Dorothy?
Kátia Webster - Ela estava aqui desde 1982, e eu cheguei em 1993. Então, ela já tinha 11 anos de moradia e trabalho aqui no Xingu antes de eu vir para cá. Na verdade, acho que ela chegou ao Brasil em 1966. Eu vim para o Brasil porque sempre quis morar aqui e somar forças com o povo que estava lutando pela libertação através da palavra de Deus.
IHU On-Line - Passados quase cinco anos do assassinato de Ir. Dorothy, as coisas mudaram na região de Anapu ou continuam como antes?
Kátia Webster - Mudaram, de certa forma. O povo mudou porque se firmou na luta, e a sua organização é sempre mais firme, pois tem assumido a luta pela segurança na terra. O povo luta, portanto, no sentido de saber que a terra é dele, que lá ele pode ficar e não tem quem tire, e ele tem segurança para comercializar o seu produto. Dessa forma, ele procura aprender novas técnicas para que essa terra não "canse", ou seja, para que não fique improdutiva.
IHU On-Line - Os mandantes do assassinato de Ir. Dorothy continuam impunes?
Kátia Webster - Os mandantes continuam respondendo em liberdade. Continuam impunes no sentido que os processos de investigação e julgamento não têm chegado ao júri. A esperança é que, no próximo ano, eles sejam finalmente julgados. Os mandantes estão em liberdade sim, não estão pagando por aquilo que fizeram. Mas o caso não foi encerrado.
IHU On-Line - O medo é o principal inimigo na luta contra a impunidade?
Kátia Webster - Talvez seja medo, mas talvez seja também a questão do dinheiro, ou seja, o que o dinheiro pode comprar para poder segurar, para poder fazer com que seus crimes não cheguem à justiça. Os advogados sempre encontram mais um recurso, mas o pobre não tem acesso a isso. O pobre, quando é acusado, vai logo a julgamento e ponto final. Mas quando há muito recurso envolvido, sempre há mais uma brecha para poder prolongar o processo.
IHU On-Line - Houve avanços com o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), origem do conflito que levou Dorothy à morte?
Kátia Webster - Houve. Quando Dorothy morreu, não tinha muita gente morando dentro do Projeto de Desenvolvimento Sustentável onde ela foi morta. Depois do seu assassinato, entrou muito mais gente no projeto. Nós estamos ainda vivendo um processo de liberar lotes que são do PDS na justiça. O contrato original das terras é dos primeiros donos, que nunca vieram, mas receberam por leilão. Esses donos viviam no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, São Paulo e, como nunca vieram, os contratos foram cancelados. No entanto, alguns espertos venderam esses lotes para o qual foram criados documentos de compra e venda que têm que ser anulados. Este processo de declaração de que as terras são da União é longo. A terra onde Dorothy foi assassinada era assim. Desde que ela morreu, este lote foi declarado para o PDS e para o povo. As estradas já são melhores, ainda não estão perfeitas, as escolas ainda são frágeis, mas a luta continua para que seja uma escola boa. Avanços há, porque o povo está lá dentro e produzindo, mas é preciso ainda mais. Falta assistência técnica aprimorada, precisa terminar as estradas, construir as escolas de alvenaria, terminar as casas, puxar a energia que ainda não chegou e tirar o resto dos lotes que ainda estão com a justiça.
IHU On-Line - Qual a sua avaliação da ação do governo na região?
Kátia Webster - Estamos com o INCRA e o IBAMA aqui, mas eles ainda são fragilizados, não estão recebendo os recursos necessários para cumprir sua agenda na região. O governo do estado é ainda mais frágil, ele não tem dado o apoio ao povo, assim como o governo do município, que está muito aliado aos fazendeiros e madeireiros.
IHU On-Line - Com quem vocês contam na região?
Kátia Webster - Em primeiro lugar, é o povo mesmo, o desejo de se organizar e ver os filhos seguros. A gente conta com essa organização e com órgãos como o INCRA e o IBAMA - embora sejam extremamente frágeis. Além disso, contamos com as igrejas do município, não apenas a igreja católica.
IHU On-Line - O filme "Mataram Irmã Dorothy" tem auxiliado na luta que se trava na região?
Kátia Webster - Eu acho que sim, porque, de certa forma, abriu os olhos para a luta. Hoje vemos até que ponto tem gente que é capaz de se vender por dinheiro. Além disso, ajudou, valorizando o povo e sua luta, com isso, ele se sentiu fortificado. Essas forças são muito importantes, pois determinou o povo a viver dentro desse processo de sustentabilidade. O filme mostrou isso.
IHU On-Line - É correto afirmar que o caso ganhou repercussão mais forte no exterior do que no Brasil?
Kátia Webster - Acho que não. Sinto que a questão é muito forte no Brasil. Sei que tem certos pontos lá fora onde divulgam. Mas onde teve repercussão foi aqui. Seja onde for, no Brasil, nos lugares onde andamos, há pessoas que nos procuram e perguntam: "você é irmã da Dorothy?", "como está Anapu hoje?". Sinto muito respaldo aqui no Brasil.
IHU On-Line - Na opinião da senhora, qual foi o principal legado que a Ir. Dorothy deixou?
Kátia Webster - O principal legado que a Dorothy deixou foi a forma como ela viveu, ou seja, tratando a terra como se fosse sua mãe. Estamos aqui para conviver com essa terra, e não para explorá-la. Estamos aqui para viver de tal modo que não podemos tirar a vida da terra até acabar com ela. A luta tem que ser feita em união, e não apenas por uma pessoa. Precisamos acreditar uns nos outros, a vida se sustenta na união e na convivência com a natureza. Além disso, a persistência da Dorothy é um legado. Ela não desistia. A vida é para todos mesmo, e o sistema econômico vigente oferece lucro apenas para poucos. Vai ocorrer, em Copenhague, um encontro sobre o clima e o meio ambiente. Sobre isso, nós perguntamos: os países maiores, como Estados Unidos e China, estão realmente dispostos a concordar com o uso dos seus recursos? Se isso não acontecer, a coisa não vai andar, pois eles querem os benefícios apenas para eles.
IHU On-Line - A senhora também já recebeu ameaças de morte?
Kátia Webster - Nunca. A gente trabalha muito de forma anônima.

* Instituto Humanitas UnisinosPara receber o Boletim de Notícias da Adital escreva a adital@adital.com.br

quinta-feira, novembro 26, 2009

A conversa com o demônio

O homem olha o entardecer na linda praia, ao lado de sua mulher, durante suas merecidas férias. Tudo parece absolutamente no seu lugar, e de repente, do fundo do seu coração, surge uma voz simpática, companheira, mas com uma pergunta difícil:
“Você está contente?”
“Sim, estou”, responde.
“Então olhe com cuidado à sua volta”.
“Quem é você?”
“Sou o demônio. E você não pode estar contente, porque sabe que, cedo ou tarde, a tragédia pode aparecer e desequilibrar seu mundo. Olhe com cuidado à sua volta, e entenda que a virtude é apenas uma das faces do terror”.
E o demônio começa a mostrar tudo o que está acontecendo na praia. O excelente pai de família que neste momento empacotava as coisas e ajudava os filhos a colocarem um agasalho, que gostaria de ter um caso com a secretária, mas estava aterrorizado com a reação da mulher.
A mulher, que gostaria de trabalhar e ter sua independência, mas estava aterrorizada com o a reação do marido.
As crianças que se comportavam bem, com terror dos castigos.
A moça que lia um livro, sozinha numa barraca, fingindo displicência, enquanto sua alma aterrorizava-se com a possibilidade de jamais encontrar o amor de sua vida.
O rapaz com a raquete exercitando seu corpo, aterrorizado pelo fato de precisar corresponder às expectativas de seus pais.
O velho que não fumava e não bebia dizendo que tinha mais disposição agindo assim, quando na verdade o terror da morte sussurrava como o vento em seus ouvidos.
O casal que passou correndo, os pés espalhando a água da arrebentação, o sorriso nos lábios, e o terror oculto dizendo que iam ficar velhos, desinteressantes, inválidos.
O homem que parou sua lancha na frente de todos e acenou com a mão, sorrindo, queimado de sol, sentindo terror porque podia perder seu dinheiro de uma hora para a outra.
O dono do hotel que veio cumprimentar seus hóspedes no momento em que o sol se escondeu, tentando deixar todos contentes e animados, exigindo o máximo de seus contadores, com terror na alma porque sabia que — por mais honesto que fosse — os homens do governo sempre descobriam as falhas que desejassem na contabilidade.
Terror em cada uma daquelas pessoas na linda praia, no entardecer de tirar o fôlego. Terror de ficar sozinho, terror do escuro que povoava a imaginação de demônios, terror de fazer qualquer coisa fora do manual do bom comportamento, terror do julgamento de Deus, terror dos comentários dos homens, terror da justiça que punia qualquer falta, terror da injustiça que deixava os culpados soltos e ameaçadores, terror de arriscar e perder, terror de ganhar e ter que conviver com a inveja, terror de amar e ser rejeitado, terror de pedir aumento, de aceitar um convite, de ir para lugares desconhecidos, de não conseguir falar uma língua estrangeira, de não ter capacidade de impressionar os outros, de ficar velho, de morrer, de ser notado por causa de seus defeitos, de não ser notado por causa de suas qualidades, de não ser notado nem por seus defeitos, nem por sua! s qualidades.
“Espero que isso o deixe mais tranqüilo”, terminou o demônio. “Afinal, você não está sozinho com seus medos”.
“Por favor, não vá embora sem antes ouvir o que tenho a dizer” respondeu o homem. ”Temos uma capacidade incrível para detectar dores, remorsos, feridas – ou terror, como você prefere. Mas certa vez meu pai me contou a história de uma macieira que, de tão carregada de maçãs, não conseguia deixar que seus galhos cantassem com o vento. Alguém que passava perguntou por que ela não procurava chamar a atenção, como todas as outras árvores. ‘Meus frutos são minha melhor propaganda’, respondeu a macieira”.
“Claro que não sou diferente de ninguém, e meu coração abriga muitos medos. Mas apesar de tudo, os frutos de minha vida falam por mim, e se algum dia acontecer uma tragédia, eu sei que não passei minha vida sem arriscar”.
E o demônio, decepcionado, partiu para tentar assustar outras pessoas mais fracas.

Paulo coelho

quinta-feira, novembro 05, 2009

Para quem gosta de ler

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2009/11/04/ult4326u1430.jhtm

terça-feira, outubro 13, 2009

domingo, outubro 04, 2009

Olhar prá frente. E olhar prá trás

Agora que o papel picado já começa a ser recolhido nas ruas, e o sol já se pôs atrás do redentor acima da cidade, é tempo de entender o tamanho do que o Brasil conquistou. Na próxima década, uma planetária lupa se aproximará do país - mais especificamente do Rio de Janeiro. Uma final de Copa do Mundo. Os Jogos Olímpicos. O que o COI fez nesta sexta-feira de outubro em Copenhague foi marcar pênalti a favor do Brasil. Um imenso e impensável pênalti. Um pênalti claríssimo. É esse pênalti que o Brasil tem agora sete anos para cobrar. O problema é o goleiro. Quem é o goleiro?

Nelson Rodrigues escreveu certa vez que o brasileiro é um narciso às avessas - pois adora cuspir em sua própria imagem. Quem se acostumou a freqüentar o Maracanã nos anos 80 e 90 – e a patinar pelos rios de urina que corriam no anel de arquibancadas, entende profundamente a frase. O brasileiro é assim – adora reclamar do Brasil. Mas… na hora de melhorá-lo, bom, quem nunca furou um sinal (ou farol) vermelho?

A ironia é que o brasileiro é assim mesmo – adora falar mal do Brasil, e adora ser brasileiro. Vê alguém furando fila? Se indigna. Chega atrasado e tem uma brecha? Ah, só hoje. No fundo, odiamos e amamos essa malandragem ao mesmo tempo. E amamos porque acreditamos que ela nos traz uma vantagem ímpar. Ninguém sabe driblar como o brasileiro… ninguém sabe resolver as coisas difíceis como o brasileiro. Devíamos ter patenteado o jeitinho há 500 anos, claro.

Como sabemos profundamente que somos assim… no dia em que conquistamos o direito de sediar uma Olimpíada, o brasileiro está feliz… e cético. Está comemorando, mas dizendo que “vão meter muito a mão”. Está orgulhoso, mas com pé atrás. É justo. Basta olhar para o passado recente. Os céticos dirão – não sem razão – que somos especialistas em superfaturamento com vara, em orçamento à distância, em 110m sem algemas e esportes afins. Dirão sobretudo que o não-legado do Pan de 2007 lança enormes nuvens sobre os jogos que virão. É verdade. Muito verdade.

Quando o Rio ganhou o direito ao Pan, promessas foram lançadas ao léu. E quase nada se cumpriu. A cidade ganhou dois ou três equipamentos de primeiro nível, alguma infra-estrutra em segurança, fez jogos sem violência… e só. Não houve despoluição da Baía da Guanabara. Não houve metrô para a Barra da Tijuca (nem para o nunca). Não houve TransPan. Houve, sim, uma denúncia de sobrepreço atrás da outra. O carioca se sentiu traído.

Perto de uma Olimpíada, o Pan custa um troco. A previsão brasileira para 2016 é, hoje, de R$ 25 bilhões de gastos. A experiência mostra que esse é apenas o ponto de partida. E é exatamente aqui que devemos parar. Parar e olhar, nacionalmente, para a frente.

Há 15, 20 anos seria impensável ver o Brasil sediando os dois maiores eventos esportivos do planeta. Mais que impensável, seria risível. O Brasil tinha uma democracia infantil, inflação galopante e pouca projeção planetária. Era uma terra exótica de onde veio o Pelé, repleta de traseiros, macacos e cobras. A capital se chamava Buenos Aires, o carnaval era um barato… e pegando um táxi em Ipanema você desembarcava na Amazônia.

A vitória de hoje mostra que algo mudou. Hoje, o mundo já ouviu falar de São Paulo. Já ouviu falar de Brasília. Já não enxerga o Brasil como aquele nanico curioso que sabe jogar futebol. O proverbial país do futuro começa a olhar pra frente com confiança. Mas, para que isso funcione, é preciso – como diria Roberto Carlos – é preciso saber viver.

Sim, porque a corrupção continua saltitante e ululante. Assim como o jeitinho e seu subproduto mais vil – a impunidade. E decerto, em corredores e subterrâneos, há sinistras ratazanas salivando diante das oportunidades à frente. Mas esses bichos existem desde sempre – e existiram em todos os países. A questão, para o Brasil, é outra.

O Brasil precisa mudar por dentro. Precisa abolir suas regras surdas – precisa deixar de achar que conchavo e conversinha resolvem os grandes problemas. Precisa, em resumo, abolir o malandro. Do futebol à política, o Brasil valoriza a ginga e o drible. Mas quando um dribla… outro é driblado. Todo malandro precisa de um otário. E, nesse particular caso, poucos são malandros, quase 180 milhões são otários.

Então, é uma proposta singela. Precisamos revogar a lei de Gerson, parar de acreditar que o jeitinho é legal. É uma diferença sutil - a ginga é bacana, enganar o próximo não. Devemos endurecer como Che, sem perder a ternura - pois a ternura é nossa maior identidade. Essa sutileza - a fronteira entre tolerância e impunidade - é que precisamos entender. Aprender a punir quem precisa ser punido sem deixar de gostar de festa - taí nossa missão para os próximos sete anos. Não é tarefa fácil – pois rebeldia e malandragem fazem parte de nossa identidade há cinco séculos.

Temos, pois, sete anos para aproveitar a oportunidade e transformar o Brasil. Não roubar, e não deixar roubar. Fiscalizar – e se indignar. Participar – e cobrar. São verbos bonitos hoje – mas chatos quando o tempo passa, dão trabalho. Se não aprendermos a conjugá-los, se deixarmos pra lá, se acharmos que é com os outros… é bem possível que tenhamos um belo evento esportivo daqui a sete anos – como tivemos em 2007. E isso, obviamente, será perder uma chance única.

É esse o pênalti que o Brasil precisa cobrar. Perdê-lo… será deixar passar o mais encilhado cavalo desta história tropical.

GUSTAVO POLI (Colunista do Globo Esporte)

Vírgula

Muito legal a campanha dos 100 anos da ABI (Associação Brasileira de Imprensa).


Vírgula pode ser uma pausa... Ou não.
Não, espere.
Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.

Pode ser autoritária.
Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.

Pode criar heróis.
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.

E vilões.
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto.

Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.

Uma vírgula muda tudo.
ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.

*Detalhes Adicionais*
'*SE O HOMEM SOUBESSE O VALOR QUE TEM A MULHER ANDARIA DE QUATRO À SUA PROCURA. '*

Se você for* mulher*, certamente colocou a vírgula depois de MULHER.
Se você for* homem*, colocou a vírgula depois de TEM.

quarta-feira, setembro 23, 2009

O silêncio pode ser poderoso

Pense em alguém que seja poderoso.
Essa pessoa briga e grita como uma galinha ou olha e silencia, como um lobo?
Lobos não gritam.
Eles têm a aura de força e poder.
Observam em silêncio.
Somente os poderosos, sejam lobos, homens ou mulheres, respondem a um ataque verbal com o silêncio.
Além disso, quem evita dizer tudo o que tem vontade, raramente se arrepende por magoar alguém com palavras ásperas e impensadas.
Exatamente por isso, o primeiro e mais óbvio sinal de poder sobre si mesmo é o silêncio em momentos críticos.
Se você está em silêncio, olhando para o problema, mostra que está pensando, sem tempo para debates fúteis.
Se for uma discussão que já deixou o terreno da razão, quem silencia mostra que já venceu, mesmo quando o outro lado insiste em gritar a sua derrota.
Olhe.
Sorria.
Silencie.
Vá em frente.
Lembre-se de que há momentos de falar e há momentos de silenciar.
Escolha qual desses momentos é o correto, mesmo que tenha que se esforçar para isso.
Por alguma razão, provavelmente cultural, somos treinados para a (falsa) idéia de que somos obrigados a responder a todas as perguntas e reagir a todos os ataques.
Não é verdade!
Você responde somente ao que quer responder e reage somente ao que reagir.
Você nem mesmo é obrigado a atender seu telefone pessoal.
Falar é uma escolha, não uma exigência, por mais que assim o pareça.
Se escolher o silêncio verá que, muitas vezes, ele pode ser poderoso...

domingo, setembro 13, 2009

O caminho de Abraão

Abrir a mente para novas falas, a alma para abrigar o “outro”, libertar-se de convenções e de formatos preestabelecidos, enfim, tirar os sapatos, que protegem o homem, mas também isolam e evitam o contato com um chão de muitas verdades e possibilidades. Foi traçando a rota seguida por Abraão, patriarca das três religiões monoteístas – cristianismo, judaísmo e islamismo – que o rabino Nilton Bonder, com os pés no chão, aprendeu que mais importante que o destino da viagem é o caminho percorrido. Em 2006, Bonder foi convidado a participar, ao lado de 23 representantes de diferentes países e religiões, de uma peregrinação pelo Oriente Médio: é O Caminho de Abraão, projeto do Departamento de Mediação de Conflitos da Universidade de Harvard, que visa a apoiar a abertura de uma extensa rota de turismo histórico e cultural para refazer a jornada deste importante personagem pela região - que vive em tensão permanente - há cerca de quatro mil anos. Em Tirando os sapatos, o rabino relata suas experiências durante a caminhada.

O relato é apresentado de duas formas distintas: uma é um diário de viagem, no qual Bonder descreve suas impressões dos locais por que passou e da convivência com o eclético grupo – formado por pessoas de diversas crenças e religiões – com que conviveu, extraído de uma longa entrevista à jornalista Tania Menai. A outra representa a sua viagem espiritual, que mostra suas etapas de estranhamento ao se defrontar, durante a peregrinação, com diferentes significados que a trajetória de Abraão tem para as três religiões.

Mais que um destino turístico, O Caminho de Abraão tem o potencial de promover o desenvolvimento comunitário, a formação de lideranças jovens, a preservação do patrimônio histórico e do meio ambiente e uma imagem positiva da região na mídia, destacando a hospitalidade de seu povo e, mais importante, o encontro entre pessoas e o diálogo entre religiões diversas. Diálogo que começou no próprio grupo de Bonder. Apesar de a maioria dos participantes ter uma visão neutra da região, havia quem tivesse definida inclinação pelo mundo árabe: um xeque turco, um padre italiano radicado na Síria e um paquistanês islâmico. Este último nutria opiniões muito radicais sobre Israel e mostrou-se bastante incomodado quando soube que Bonder é judeu.

Foi uma viagem de alguma tensão para Bonder, que teve que omitir quase o tempo todo sua condição de rabino para poder circular pela região. A solução para aliviar esta pressão foi não reagir àquilo que o rejeita, abrir-se para o ponto de vista do outro, muitas vezes indo de encontro ao que pensava, incluindo as do paquistanês, de quem, por fim, conseguiu virar colega, após longa troca de idéias.

Também foi por meio desta convivência que Bonder ouviu teorias interessantes como a de que os conflitos religiosos no Oriente Médio teriam uma explicação geológica, segundo uma profissional de Harvard: a área é uma área turbulenta, incluindo o Mar Morto, a região mais baixa do planeta. Ali ocorrem muitas movimentações tectônicas devido à presença de um cinturão sísmico. Curiosamente, todas as regiões do mundo com movimentos tectônicos são áreas de alta espiritualidade: a Califórnia, os Andes, o México, o Himalaia. Áreas geologicamente instáveis ativam, no ser humano, a necessidade espiritual. A estabilidade traz acomodação.

Diferentemente de um turista comum, o peregrino aprende mais no trajeto: o que importa é estar sempre em movimento, mesmo que não se saiba qual é a chegada, o ponto final da viagem. É durante o caminho que ele aprende a se desfazer da bagagem – que representa, assim como os sapatos, a identidade do indivíduo, uma forma de proteção da pessoa em relação ao desconhecido. O importante aqui é, como fez Bonder, jogar-se na interação com o lugar e, principalmente, com as pessoas. Não ter medo de perder a identidade. É por meio da alteridade, de olhar o mundo pelo olhar do outro, que se pode desfazer de sapatos, bagagens, preconceitos e intolerâncias.

Foi a partir desta visão que Bonder identificou como as religiões vêem a importância e a história de Abraão de formas diferentes e desenvolveu o conceito de “paralelismo histórico”. A História não obedeceria necessariamente a uma cronologia rígida, em que um evento vem antes do outro, estabelecendo um único fluxo que comporta uma única verdade: “A História não é tão consecutiva e cronológica como me haviam ensinado e como eu a percebia. Há um paralelismo na História. Coisas acontecem ao mesmo tempo, ou mais do que isso, enquanto coisas estão acontecendo para um grupo estão também acontecendo para o outro. Não há apenas um acontecimento sobre o qual se possa determinar a autoria e patrimônio.”

Com 1.200 quilômetros, a rota tem início nas ruínas de Haran, na Turquia, local onde, acredita-se, o patriarca ouviu pela primeira vez o chamado de Deus. E se estende por todo o Oriente Médio, incluindo cidades históricas como Alepo, Damasco, Jericó, Nablus, Belém e Jerusalém, e regiões de grande riqueza natural e cultural como as colinas do Líbano, a região de Ajloun da Jordânia e o deserto de Grajev, em Israel. No trajeto, encontram-se alguns dos locais mais sagrados do mundo. O ponto alto é a cidade de Hebron/ Al Khalil, local do túmulo de Abraão. Futuramente, o caminho será estendido para englobar as idas e vindas de Abraão rumo ao Egito, Iraque e, para os muçulmanos, Meca, na Arábia Saudita. O Caminho de Abraão é um projeto em andamento e mais informações podem ser encontradas em www.abrahampath.org.

TIRANDO OS SAPATOS – Nilton Bonder - Editora Rocco - 2008

sexta-feira, setembro 11, 2009

A demanda consciente

A mais consciente das demandas é a de poder atender ao “desejo”, mas limitar-se à “necessidade” por obra da maturidade pessoal

Por Eugenio Mussak

Demanda significa busca, interesse por um produto ou por um serviço por parte de um segmento do mercado. Parece simples, mas é um conceito tão importante na atualidade, que merece um pouco mais de reflexão.

Antes, é importante definir outras duas palavras: necessidade e desejo. Necessidade é uma força que surge para atender a uma exigência orgânica, vital para o organismo, seja de uma pessoa, de um conjunto de pessoas, de uma empresa, de uma sociedade, de um país. De acordo com o psicólogo nova-iorquino Abraham Maslow (1908-1970) todos nós temos necessidades, e estas estão classificadas em cinco tipos, e nós só nos esforçamos para atender a uma necessidade quando a anterior, mais importante, já estiver atendida. São as necessidades: fisiológicas (comer, ter calor, excretar...), segurança (física e emocional), sociais (principalmente a de pertencer a grupos de semelhantes), afeto (sentir-se amado) e, por último, o autodesenvolvimento (que implica em conquistas intelectuais, principalmente).

Com relação aos desejos, eles não são uma exigência orgânica, e sim uma exigência psicológica, em que os determinantes são principalmente culturais. Poderíamos dizer que um desejo é uma necessidade cultural. Por exemplo, eu posso estar “necessitando” de um automóvel, e “desejando” um Mercedes Benz. Desejos e necessidades não são, portanto, excludentes, mas é necessária uma boa dose de consciência e maturidade para entender a diferença.

E finalmente chegamos à demanda novamente. Trata-se de uma relação adequada entre o binômio “necessidades e desejos” e a condição financeira para satisfazê-lo. Em outras palavras, de nada me adianta necessitar ou desejar se eu não tiver o dinheiro necessário e suficiente para atender à necessidade ou ao desejo. Eu necessito de um carro, desejo um Mercedes, mas “demando” um Celta básico.

Por isso a indústria interessa-se pelas demandas do mercado. As empresas de publicidade dizem que a indústria está atendendo aos nossos “desejos”, mas na verdade está atendendo às nossas “demandas”.

A ansiedade, estado emocional tão presente no homem contemporâneo, deriva da distância entre a necessidade e o desejo, enquanto a angústia vem da distância entre o desejo e a demanda. O drama central do homem atual não está em desejar o que não precisa, mas em desejar o que não pode demandar. Quem deseja o que não necessita pode ficar ansioso, quem deseja o que não pode demandar ficará angustiado.

Necessidades, desejos e demandas. Três características do homem contemporâneo, que viverá melhor quanto mais equilíbrio entre elas conseguir estabelecer. Poder conjugar mais vezes o verbo desejar do que o verbo necessitar é uma conquista, que depende de dedicação, preparo, tempo. Há uma certa autoridade vitoriosa em poder atender aos desejos com a mesma fleuma que se atende às necessidades, e dessa forma manter completo controle sobre as demandas pessoais.

Mas a mais consciente das demandas é a de poder atender ao “desejo”, mas limitar-se à “necessidade” por obra da maturidade pessoal. Necessitar de um automóvel, poder comprar o modelo de luxo, mas optar pelo modelo intermediário, confortável e não exibicionista. Manter para si o poder da autoestima, e não entregá-lo aos outros, necessitando da admiração alheia sobre nosso sucesso e poder de compra. Esse é o grande e verdadeiro sonho de consumo.

quarta-feira, setembro 09, 2009

Brasil: apego ao poder e o espectro da morte

Uma das características do poder é imantar em muitos que o ocupam a pretensão de nele se perpetuar. Nada mais trágico para tais pessoas do que sua perda: ficam com baixa autoestima, sentem-se abandonadas pelos antigos correligionários, lamentam já não usufruírem dos privilégios e das mordomias de outrora. Daí o empenho de tantos políticos para se perpetuarem no poder. Ao se defender no Senado, Sarney gabou-se de estar nele há 55 anos!

A questão do poder desponta com o surgimento da cidade-estado, no início do IV milênio a.C. É quando o ser humano se desprende do ciclo da natureza. Já não funda sua identidade nos vínculos comunitários da sociedade agrária. Sua consciência se personaliza, ele se torna senhor do próprio destino, livre das mutações ecológicas que antes criavam nele a sensação de fatalidade.

A vida, como fenômeno biológico, adquire progressivamente contornos históricos. O ser humano percebe-se como sujeito, ator social, dotado de consciência da responsabilidade e capacidade de interferir nos rumos da natureza. As provisões já não dependem apenas da coleta e da extração; surge a atividade produtiva. O mundo deixa de ser uma realidade dada; passa a ser transformado e construído.

A fundação da cidade-estado, ao inverter a relação do ser humano com a natureza, o faz perceber que não é mais ele que deve se adaptar a ela; ela é que deve se submeter à vontade dele. A invenção do tijolo, como o comprova o episódio da Torre de Babel (Gênesis 11), permite ao ser humano fabricar a base material do mundo. A produção em série o livra dos condicionamentos ambientais e climáticos.

Assim, altera-se a função da divindade, à qual natureza e humanidade estavam implacavelmente sujeitas. Antes, os deuses atuavam movidos por forças obscuras que escapavam do controle humano. Agora, são vistos como fundamento e reflexo da hierarquia que caracteriza a cidade-estado. O rei é tido como mediador entre as ordens celestial e terrena. Ele interfere, não apenas na natureza, mas também na história.

Embora ele seja revestido de sacralidade, as leis que promulga já não decorrem da imposição dos deuses. São obra humana, suscetível de limitações e erros, interpretações e questionamentos. E a morte, até então encarada como inevitável degradação ou acidente ditado pelo ciclo da natureza, passa a ser encarada pela ótica da tragédia.

A história do rei sumério Gilgamesh ilustra esse atávico apego de muitos ao poder. Ela chegou até nós através da Epopéia, redigida em idioma acádio numa tábua de argila do século VIII a.C. Governante da cidade-estado de Uruk, na Mesopotâmia (atual Iraque), Gilgamesh teria vivido em 2650 a.C. A lista sumeriana dos reis o aponta como o quinto da primeira dinastia. Sua função mítica associa-se ao novo olhar sobre o poder: o supremo grau a que pode ascender uma pessoa, comparada aos deuses, e a morte passa a ser considerada inaceitável, pois deuses não morrem...

Gilgamesh se queixa de que, ao criar os seres humanos, os deuses os fizeram mortais e reservaram para si o privilégio da imortalidade. Revolta-se ao descobrir que as funções de poder são perenes, os homens que as ocupam, não.

Por sua vez, os cidadãos de Uruk reclamam da tirania de Gilgamesh. Criticado por seus súditos, ele sente a solidão do poder. Necessita de um amigo, um alter-ego, o que não encontra em Uruk. Fica sabendo, por um caçador, da existência de Enkidu, que vive no deserto e comparte a vida dos animais selvagens. É o homem que procurava. Confrontam-se as duas violências: a da natureza (Enkidu) e a da cidade-estado (Gilgamesh). Este envia uma comitiva a Enkidu com a missão de trazê-lo do mundo rural ao mundo urbano.

Após Enkidu transar com uma prostituta, os animais do deserto já não identificam nele um igual e passam a temê-lo. Como em muitos mitos, inclusive no Gênesis, é a mulher que introduz o homem no discernimento e na vida civilizada. Enkidu encontra Gilgamesh ao entrar na cidade; surge entre os dois uma profunda amizade. Unidos, sentem-se tão fortes que desafiam os deuses. A aliança entre eles reforça o apego ao poder. À perenidade soma-se a onipotência. Porém, Enkidu se enferma e morre. O imprevisto acontece.

Gilgamesh, solitário, se revolta. Recusa-se a aceitar a morte. Ele se torna "o grande homem que não quer morrer", diz o texto. Decide partir e aprender com Uta-napishti - único sobrevivente do dilúvio -, a receita da vida sem fim. O poderoso não admite que a morte o destrone do poder.

Shamash, o deus-Sol, o adverte: "Você jamais encontrará a vida sem fim que procura". Gilgamesh não se conforma de, após a morte, encontrar apenas um estado de inanição e sono sem fim. Uta-napishti insiste com Gilgamesh para que ele admita não merecer dos deuses o privilégio da imortalidade.

O poder pode tudo, exceto evitar que os poderosos sejam "derrubados de seus tronos e, pela morte, despedidos com as mãos vazias", como canta Maria no Magnificat (Lucas 1, 46-55).

[Autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.
Copyright 2009 - FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato - MHPAL - Agência Literária (mhpal@terra.com.br)]
* Frei Betto
* Escritor e assessor de movimentos sociais

sábado, agosto 29, 2009

Maltrata-me que eu gosto!

Era uma linda quinta-feira de agosto e às 9h da manhã meu telefone funcionava que era uma beleza. Dia lindo, um sol gostoso de inverno, lá fui eu trabalhar. Porém, quando retornei às 13h, ele, o meu telefone, estava mudo. A primeira coisa que fiz foi falar com o zelador do prédio e perguntar se algum funcionário da Telefônica tinha feito conserto na rua. É o que sempre faço quando surge algum problema na linha, pois nas últimas cinco ou seis vezes, “eles” estiveram trabalhando na rua. Esse serviço terceirizado é um horror, um caso de polícia.
Na quinta, após o almoço, sem telefone e sem internet – que falta faz! - fui até o telefone público dentro do prédio e liguei para 10315, achando que “seus problemas acabaram” não era só naquele programa de humor. E não é que a atendente me diz que testou a linha e estava normal! Alguém entendeu? Nem eu! Então, perguntei ao zelador se alguém tinha feito serviço no corredor ou no painel que fica na portaria. Ninguém! Aproveitei um vizinho que passava pela portaria, sempre sem camisa e, pedi um aparelho convencional para testar a linha, já que o meu é sem fio e poderia estar com problema. Teste feito, a linha continuava muda, eu sem telefone e speedy, pois uma coisa depende da outra. Voltei a falar com o zelador e pedi que ele arrumasse alguém para vir olhar se era problema interno. Não era.
O próprio zelador telefonou de novo para a Telefônica, (ainda) constava que a linha funcionava normalmente. Deuses do Olimpo, pensei, o que está acontecendo? Seria praga daquele aluno que joga giz em mim enquanto passo um resumo na lousa? Será que ‘aquela’ facção criminosa (des) apropriou minha linha? Praga de mãe? De algum ex?
Na dúvida, telefonei para 10315, de novo, e insisti para que alguém viesse resolver o problema. A moça continuava dizendo que a linha fora testada e estava em ordem. Mas, diante da minha insistência, disse que agendaria uma visita técnica. Não agendou. Vinte e quatro horas depois eu ainda estava sem telefone e sem speedy.
Interessante é que depois que eu liguei pela segunda vez reclamando e o zelador já tinha ligado também, alguém telefonou na portaria e perguntou se eu tinha um serviço pago da telefônica para resolver o problema. Respondi que não, então, ele me ofereceu um, a cinco reais ao mês. Recusei claro, já que todas as evidências mostravam que não era problema interno e sim da empresa que presta um (des) serviço a uma aficcionada virtual. Ai meus e-mails! Meus joguinhos do Yahoo! Skype! Quem estará on line nesse momento tão trágico?
Com tudo isso, 24 horas depois eu continuava sem linha, sem speedy e sem saber o que fazer. No fundo, bem lá no fundo, eu já sabia, pois na quinta teve gente dessa empresa assombrosa, fazendo serviço na rua.
Liguei novamente, explicando o problema, insistindo em uma solução, só faltei me ajoelhar diante do telefone público (ainda não comprei um celular!), aí a moça disse que não tinha certeza se a linha estava com problema e que ia enviar alguém. Dá para acreditar? Calei-me e não mencionei que os atendentes anteriores haviam dito que a linha estava normal. E, finalmente, três horas depois, tudo estava funcionando: telefone e speedy! O mundo voltou a girar! Só que eu fiquei vinte e sete horas sem os serviços. Assunto encerrado? De jeito nenhum! Mais tarde, alguém do setor de relações humanas ligou em minha casa para saber se eu tinha feito “aquele plano” de cinco reais para os consertos extras. Enfatizei que não. Ela disse algo sobre ter sido feito e depois, bloqueado.
Nas últimas cinco ou seis vezes que deu problema em minha linha telefônica, funcionários da Telefônica tinham feito serviço na rua. Com certeza deve ser pura coincidência, claro. Mas, uma dúvida ficou: será que essa traquinagem de dizer que não tinha problema na linha era para eu comprar um serviço de conserto? Existem técnicas de vendas mais modernas, gente!
Eu só não tive uma epifania e cancelei a linha, porque minha conexão para internet tem menos de doze meses e, pagarei multa caso cancele antes. Claro, que eu fiz questão de aceitar essas regras pode ter certeza que a escolha foi minha! Por que eu compraria um serviço que me permitisse cancelar a hora que me fosse conveniente ou que não estivesse me agradando? Não, eu quero a escravidão por doze meses e ainda com multa alta! Pois eu até troquei a outra empresa por essa, cancelei um contrato antigo, para ficar com o speedy. E fui enganada de novo! Não é bárbaro? Consta na conta, que o preço do speedy é setenta e oito reais e quarenta e seis centavos e que eu tenho um desconto de 36,40% por isso pago quarenta e nove reais e noventa centavos. Isso quer dizer que, quando eu completar um ano- feliz aniversário!- terei um aumento de 36,40% e não o aumento de lei que deve ser menor. É uma maneira bem esperta de enganar o cliente quando tiver que majorar o valor da mensalidade. Novos tempos, novas táticas!
Já é sábado, o sol brilha lá no alto da pedreira e eu fico aqui pensando. Acho que essa empresa tinha que ir embora do país. Ela é estrangeira, é espanhola! E nós já temos os nossos ladrões tupiniquins, não precisamos de mais um.
E viva o Brasil! Terra de Sarney, Collor, Renan!
Salve, salve, o Conselho de Ética do Senado!

segunda-feira, agosto 24, 2009

domingo, agosto 23, 2009

Li: Os Arquivos Filosóficos

Embora dirigido ao público jovem, é um livro de introdução a filosofia muito interessante, com ilustrações divertidas e atraentes, uma linguagem moderna. Recomendo para os adultos também. Jovens e adultos irão encontrar nesse livro, extraterrestres, cérebros fora do corpo, realidade virtual e até um porco falante.
Os Arquivos Filosóficos foi escrito por Stephen Law, professor da Universidade de Londres.

sábado, agosto 22, 2009

Caneta ou ferramenta?

Quantos advogados você conhece? Uns tantos, certamente. Mas na hora de socorrer o seu computador pifado, consertar o vazamento da pia da cozinha ou traduzir-lhe o manual de funcionamento do novo televisor, que você lê, lê e não entende, a quem recorre?

O Brasil é uma nação de bacharéis. Como abrigamos a mais longa escravidão das três Américas – 350 anos -, ainda guardamos, do período colonial, resquícios elitistas, como julgar que profissões técnicas são para incompetentes que não chegam a doutor... Boa profissão é a que domina a caneta, e não a ferramenta.

Você sabia que de cada 100 brasileiros (as) no mercado de trabalho, 72,4% (ou exatos 71,5 milhões de pessoas), nunca fizeram um curso profissionalizante? Entre os desempregados, 66,4% (5,3 milhões de pessoas) nunca passaram por um curso de educação profissional. O dado é do IBGE, divulgado no último 22 de maio.

O mais grave é o poder público, como diria aquele deputado do castelo, estar “pouco se lixando” para a qualificação de nossos trabalhadores. Segundo o IBGE, em 2007 apenas 22,4% dos alunos de cursos profissionalizantes estavam matriculados em escolas públicas.

Dos que buscam tais cursos, 53% dependem de ofertas de ONGs, sindicatos e instituições particulares. O famoso Sistema S (como SENAI, SENAC, SEBRAE), que recebe robustas verbas do governo, forma apenas 20% dos interessados em qualificação.

Mesmo os cursos existentes nem sempre primam pela qualidade. Entre os matriculados, 80,9% frequentavam cursos que não exigiam escolaridade prévia... O que explica o alto número de analfabetos virtuais em profissões técnicas. Consertam a geladeira, mas são incapazes de redigir um bilhete explicando a causa do defeito.

Na mesma pesquisa, o IBGE constatou que são analfabetos 13,5 milhões de brasileiros (as) (9,5% da população) com mais de 15 anos de idade. E de 1,8 milhão que frequentavam salas de aula, 810 mil (45%) admitiram não saber ler nem escrever um simples recado.

A falta de motivação é a principal causa de desinteresse por cursos profissionalizantes. O Brasil é o reino do improviso. O auxiliar de eletricista aprende na prática, assim como o de cozinha acredita que, amanhã, a intimidade com o fogão fará dele um chef. Muitos (14,1%) admitiram não poder pagar um curso dessa natureza. E 8,9% se queixaram da falta de escola na região.

Dos alunos em cursos profissionalizantes, 17,6% frequentavam cursos técnicos de nível médio. E apenas 1,5% cursos de graduação tecnológica equivalente ao nível superior. O mais procurado é o curso de informática (41,7%), seguido de comércio e gestão (14%) e indústria e manutenção (11,25). Ao todo, 215 mil estudantes, o que representa um índice muito baixo dada as dimensões do país e de suas necessidades.

Esse quadro explica, em parte, a razão do nosso subdesenvolvimento – ou eterna situação de país emergente. O MEC promete que, até o fim de 2010, o Brasil passará de 185 mil para 500 mil vagas em cursos profissionalizantes. As escolas – hoje, 140 – serão 354.

Um das causas dessa realidade preocupante foi a lei de 1988, proposta pelo presidente FHC e aprovada pelo Congresso, que proibiu a União de criar novas escolas técnicas federais. Felizmente Lula a revogou em 2005.

Falta ao atual governo corrigir outro erro crasso: o EJA (Educação de Jovens e Adultos, que substituiu o antigo supletivo), embora acolha trabalhadores em suas aulas, não propõe educação profissionalizante. Isso explica o alto índice de evasão – 42,7% dos matriculados não concluem o curso, sobretudo no Nordeste (56%).

Muitas vezes o horário de aulas coincide com o do trabalho (o que induz à evasão de quase 30% dos alunos), e a metodologia de ensino ignora Paulo Freire e os recentes avanços da educação popular.

O Brasil precisa trocar o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento - pelo PAD, Programa de Aceleração do Desenvolvimento, sobretudo humano. Sem recursos humanos qualificados, uma nação está fadada a sempre depender do mercado externo e, portanto, do jogo cruel da especulação internacional, da flutuação de divisas conversíveis e das concessões aos importadores que jamais abrem mão de suas políticas protecionistas.

Sem educação o Brasil não tem solução. Nem salvação.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de “Essa escola chamada vida” (Ática), entre outros livros, e um dos fundadores do movimento Todos pela Educação.

sábado, agosto 08, 2009

Oração do Milho

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence à hierarquia tradicional do trigo. E de mim, não se faz o pão alvo, universal.
O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre. Alimento de rústicos e animais do jugo.
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e amiga dos que começam a vida em terra estranha.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde
SOU O MILHO
Cora Coralina

domingo, agosto 02, 2009

Li: A menina que roubava livros

Li “A menina que roubava livros”, de um jovem escritor australiano, Markus Zusak. Embora eu seja uma leitora ávida de livros, confesso que poucos me emocionaram tanto como esse. Bonita, sensível, inteligente, a história é envolvente. O autor fala da amizade, do amor, da compaixão, sentimentos que envolvem famílias, vizinhos, amigos, naquele difícil ano de 1943. É a guerra, o nazismo. E a palavra é a ferramenta de convencimento para aqueles que viveram os acontecimentos da época. Mas é a palavra também que dá o alento para uma jovem de 12 anos, através dos livros que ela rouba, para compreender a sua existência. O narrador é a Morte.Um ser acima do bem e do mal, alguém que faz o seu serviço: buscar as almas. Porém, a Morte que gosta de observar as cores do mundo, não consegue deixar de notar a menina que roubava livros. Ao fugir de um bombardeio, a menina que roubava livros, preocupa-se em salvar o acordeom do papai e, esquece o livro, com folhas em branco, que ganhou para escrever a sua história. Perdido na rua, o livro seria jogado no lixo. Porém, a Morte o salva de ser destinado ao esquecimento. Ela o lê, guarda-o durante anos até encontrar de novo a menina que roubava livros e poder devolvê-lo. A Morte é a narradora da história. E são suas as palavras abaixo:
“OS SERES HUMANOS ME ASSOMBRAM”.

sábado, julho 25, 2009

Tirando os sapatos - vídeo

http://www.youtube.com/watch?v=t73FGpY0Zfc

Fome de Justiça

Somam hoje 950 milhões as pessoas ameaçadas pela fome crônica. Eram 800 milhões até 2007. De lá para cá o número aumentou, devido à expansão do agronegócio, cujas tecnologias encarecem os alimentos, e a maior extensão de áreas destinadas ao cultivo de agrocombustíveis, produzidos para saciar a fome de máquinas e não de gente.

A fome é o que há de mais letal inventado pela injustiça humana. Causa mais mortes que todas as guerras. Elimina cerca de 23 mil vidas por dia; quase 1.000 pessoas por hora! As crianças são as principais vítimas.

Quase ninguém morre por falta de alimentos. O ser humano suporta quase tudo: políticos corruptos, humilhações, agressões, indiferenças, a opulência de uns poucos. Até o prato vazio. Por isso ninguém morre da falta completa de alimentos. Os famélicos, quando nada têm para comer, levam à boca, para enganar a fome, restos catados no lixo, lagarto, rato, gato, tanajura e variados insetos. A falta de vitaminas, carboidratos e outros nutrientes essenciais debilita o organismo, torna-o vulnerável às enfermidades. Crianças raquíticas morrem de simples resfriado, privadas de defesas.

Há apenas quatro fatores de morte precoce: acidentes (de trabalho ou trânsito); violência (assassinato, terrorismo ou guerra); enfermidades (aids ou câncer); e fome. Esta produz o maior número de vítimas. No entanto, é o fator que menos suscita mobilizações. Há sucessivas campanhas contra o terrorismo ou pela cura da aids, mas quem protesta contra a fome?

Os miseráveis não fazem protestos. Só quem come entra em greve, vai às ruas, manifesta em público descontentamento e reivindicações. Como essa gente não sofre ameaça da fome, os famintos são ignorados.

Agora, os líderes das nações mais ricas e poderosas do mundo, reunidos no G8, em L’Aquila, Itália, no início de julho, decidiram liberar US$ 15 bilhões para aplacar a fome mundial.

Como o G8 é cínico! Ele é o responsável pelos famintos serem multidão. Eles não existiriam se as nações metropolitanas não adotassem políticas protecionistas, barreiras alfandegárias, transnacionais de agrotóxicos e de sementes transgênicas. Não morreriam de fome cerca de 5 milhões de crianças por ano se o G8 não manipulasse a OMC, não incentivasse a desigualdade social e tudo isso que a aprofunda: o latifúndio, a especulação dos preços dos alimentos, a apropriação privada da riqueza.

Apenas US$ 15 bilhões! Sabem quantos esses senhores e senhoras do G8 destinaram para salvar - não a humanidade - mas o mercado financeiro, de setembro de 2008 a junho de 2009? Mil vezes esta quantia! US$ 15 bilhões servem apenas para oferecer uns caramelos a alguns famintos. Sem contar que boa parte desses recursos irá para o bolso dos corruptos ou servirá de moeda de troca eleitoral. Dou-lhe um pão, dá-me um voto!

Se o G8 tivesse de fato intenção de erradicar a fome no mundo, promoveria mudanças nas estruturas mercantilistas que regem a produção e o comércio mundiais, e canalizaria mais recursos às nações pobres que aos agentes do mercado financeiro e à indústria bélica.

Se os donos do mundo quisessem realmente acabar com a fome, eles tornariam o latifúndio um crime de lesa-humanidade e permitiriam a livre circulação de alimentos, assim como ocorre com o dinheiro. Do mesmo modo, se tivessem mesmo o propósito de erradicar o narcotráfico, em vez de prender uns poucos traficantes, poriam suas máquinas de guerra para destruir definitivamente os campos de plantação de maconha, de coca, de papoula e de outros vegetais, transformando-os em áreas de agricultura familiar. Sem matérias-primas, não há traficante capaz de produzir droga.

Dizer que o G8 intenciona acabar com a fome ou salvar o planeta da degradação ambiental equivale a esperar que, no próximo Natal, Papai Noel traga de presente uma vida digna a todas as crianças pobres. O cinismo é tanto que os líderes mundiais prometem estabelecer bases de sustentabilidade ambiental a partir de 2050.

Ora, se a natureza algo ensina de óbvio é que, a médio prazo, estaremos todos mortos! Se a Terra já perdeu 25% de sua capacidade de autorregeneração, o que acontecerá se a humanidade tiver que esperar mais 40 anos para que se tomem medidas eficazes?

Se aqueles que não passam fome tivessem, ao menos, fome de justiça, virtude qualificada por Jesus como bem-aventurança, então a esperança em um futuro melhor não seria vã.

[Autor de "A mosca azul - reflexão sobre o poder" (Rocco), entre outros livros.
Copyright 2009 - FREI BETTO - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato - MHPAL - Agência Literária (mhpal@terra.com.br)]
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* Escritor e assessor de movimentos sociais

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sexta-feira, julho 10, 2009

Filme: Budapeste

O filme “Budapeste” foi inspirado no livro do cantor e compositor Chico Buarque.
O narrador é José Costa, é um ghost-writer, pessoa especialista em escrever cartas, artigos, discursos ou livros para terceiros, sob a condição de permanecer anônimo. Costa escreve os textos na Cunha & Costa Agência Cultural, firma em que é sócio com o seu amigo de faculdade Álvaro Cunha, este especializado em promover o trabalho de José Costa.
Na volta de um congresso de autores anônimos, Costa é obrigado a fazer uma escala imprevista na cidade título do romance, o que desencadeia uma série de eventos que constituem o centro da trama: casado com a apresentadora de telejornais Vanda, Costa conhece Kriska na Hungria, que o apelida de Zsoze Kósta e com quem aprende húngaro - segundo o narrador, "a única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita". Entre as diversas idas e vindas entre Budapeste e o Rio de Janeiro, a trama se alterna entre o seu enfeitiçamento pela língua húngara e o seu fascínio em ver seus escritos publicados por outros, bem como o seu envolvimento amoroso com Vanda e Kriska.

terça-feira, junho 30, 2009

Livro: Origens do discurso democrático - Donaldo Schuler

A base da democracia antiga é o discurso. Palavras dirigem homens, constroem cidades, desvendam mistérios, abrem rotas à liberdade. Reflexão e ação política se desenvolveram juntas. Mobilidade discursiva e imprevisibilidade humana floresceram juntas. A própria palavra se impôs à reflexão. As inquietações de então, ainda nos perturbam. Retornar à Grécia é abrir veredas no cipoal de nossas dúvidas. A literatura grega é o lugar para se refletir sobre as virtudes do discurso e as ameaças à democracia.

Donaldo Schuler é doutor em Letras e livre-docente pela universidade Federal do Rio Grande so Sul.

domingo, junho 28, 2009

Difícil arte de ser mulher

Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi "Ágora", direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em "O jardineiro fiel", dirigido por Fernando Meirelles.

Em "Ágora" ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.

Onde há oferta de produtos - TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas - o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, "Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem". Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: "gata", "vaca", "avião", "melancia" etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.

Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?

Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.
Frei Betto
[Autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros].

sábado, junho 06, 2009

Meus escritores preferidos: Matha Medeiros

Martha Medeiros (1961) é gaúcha de Porto Alegre, onde reside desde que nasceu. Fez sua carreira profissional na área de Propaganda e Publicidade, tenho trabalhado como redatora e diretora de criação em várias agências daquela cidade. Em 1993, a literatura fez com que a autora, que nessa ocasião já tinha publicado três livros, deixasse de lado essa carreira e se mudasse para Santiago do Chile, onde ficou por oito meses apenas escrevendo poesia.
De volta ao Brasil, começou a colaborar com crônicas para o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde até hoje mantém coluna no caderno ZH Donna, que circula aos domingos, e outra — às quartas-feiras — no Segundo Caderno.
Seu primeiro livro, Strip-Tease (1985), Editora Brasiliense - São Paulo foi o primeiro de seus trabalhos publicados. Seguiram-se Meia noite e um quarto (1987), Persona non grata (1991), De cara lavada (1995), Poesia Reunida (1998), Geração Bivolt (1995), Topless (1997) e Santiago do Chile (1996). Seu livro de crônicas Trem-Bala (1999), já na 9ª edição foi adaptada com sucesso para o teatro, sob direção de Irene Brietzke. A autora é casada e tem duas filhas.


Livro: Divã - Martha Medeiros

Cronista consagrada no sul do país, admirada por intelectuais e poetas, Martha Medeiros, que já vendeu 50 mil livros, combina irreverência e lirismo em textos curtos e contemporâneos. Autora de 11 livros, a autora faz sua estréia na ficção com DIVÃ.
Na verdade, o mundo inventado por sua protagonista é abertamente inspirado na realidade que ela captura em suas deliciosas crônicas. DIVÃ conta a história de Mercedes — uma mulher com mais de 40, casada, filhos — que resolve fazer análise. O que começa como uma simples brincadeira acaba por se transformar num ato de libertação; poético, divertido, devastador. Marinheira de primeira viagem em terapia, a personagem encara o consultório como se fosse uma espécie de alfândega que vai dar o visto para ela passar para o lado mais oculto de sua personalidade.
Ao deitar-se no divã, Mercedes não hesita em alertar o terapeuta: "Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna delicada. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São muitas mulheres numa só, e alguns homens também. Prepare-se para uma terapia de grupo."
Dona de um texto simples e brilhante, Martha nos seduz com uma narrativa envolvente e catalisadora. O leitor que a princípio se transforma numa espécie de voyeur, é levado por espiral de acontecimentos reveladores. Ao final da leitura se vê cúmplice das loucuras, conflitos e questões existenciais da personagem, e se dá conta que ele também, em vários momentos, estava deitado em seu próprio divã.
Mercedes é uma mulher que se parece um pouco com qualquer mulher. Divertida, pragmática, inteligente e sim, por que não? Superfeminina. É do tipo corajosa, daquelas que não têm medo de nada. Capaz de administrar bem a casa, os filhos, o marido e até mesmo seus ataques de vaidade. Ela nos parece muito segura de si, daquelas que possuem controle sobre tudo. Será?
Ao se deitar naquele divã, Mercedes se dá conta de suas armadilhas cotidianas. Ao entrar neste jogo catártico, ela nos confidencia que a liberdade é atraente quando nos parece uma promessa, mas pode nos enlouquecer quando se cumpre.



Filme: Divã

A atriz Lilia Cabral encarou o desafio e reviveu, no cinema, as dores e delícias de Mercedes, protagonista da peça "Divã", baseada no romance de Martha Medeiros, que ficou três anos em cartaz e foi vista por 175 mil pessoas. No filme homônimo, de José Alvarenga, Lilia volta a viver a mulher de 40 anos que, sem saber bem o porquê, procura um analista. O longa estreou no início de 2009.

domingo, maio 31, 2009

Curiosidades sobre o cérebro e o corpo

Que o cérebro é o órgão mais fascinante que nós temos, disso eu não tenho dúvida, mas então, porque não sabermos mais sobre essa maravilha? O conhecimento nunca é demais, por isso veja essas curiosidades sobre o nosso ” Celebro “…

Você sabia que o cérebro é constituído por mais de 10 milhões de células e que ele pesa cerca de 1,5kg? O cérebro de um recém-nascido cresce quase 3 vezes o seu tamanho durante o primeiro ano! Os humanos têm o cérebro mais complexo de qualquer criatura na Terra.

O cérebro humano é o que possui mais pregas de todos os seres vivos. Por isso, se o estendesse-mos, mediria aproximadamente 2 metros, enquanto que o cérebro de um gorila, apesar de ter o mesmo peso, só mediria uma quarta parte do tamanho do cérebro humano.

Os cientistas calcularam que a velocidade de um pensamento é de 240 km/h! Como se calcula velocidade de pensamento?

Se não exercitarmos o que aprendemos, esquecemos 25% em seis horas, 33% em 24 horas e 90% em seis meses.

O olho humano é capaz de distinguir 10.000.000 de diferentes tonalidades.

Com uma média de 70 batidas por minuto, o coração bate 37 milhões de vezes por ano.

Cada soluço dura menos de 1 segundo e ocorrem com uma frequência normal e regular de 5 a 25 vezes por minuto. O livro dos recordes menciona um soluço que durou 57 anos.

A força necessária para dar três espirros consecutivos, queima exatamente o mesmo numero de calorias que um orgasmo.

Uma pessoa normal tem á volta de 1.460 sonhos por ano.

O cabelo cresce cerca de 0,6 cm por mês e mais depressa pela manhã do que em qualquer outra hora do dia.

Uma piscadela de olho dura, em média, um décimo de segundo.

Mais de metade dos ossos do corpo humano estão nas mãos e nos pés.

A mão humana tem 27 ossos e 35 músculos.

Em cada 2,54 cm de pele humana, existem 19 milhões de células, 60 pelos, 90 glândulas sebáceas, 5,79 metros de vasos sangüíneos, 625 glândulas sudoríparas e 19 mil células nervosas.

Uma pessoa possui, em média, gordura corporal suficiente para fazer duas dúzias de sabonetes.

Durante uma vida, a nossa pele é renovada aproximadamente 1.000 vezes.

Durante o tempo que demorou a ler esta frase 50.000 células do teu corpo morreram e foram substituídas por células mais novas.

O coração de uma pessoa com 75 anos já bateu mais de 2.737.500.000 de vezes.

Um adulto médio produz cerca de meio litro de gás flatulento por dia, resultando numa média de 14 ocorrências flatulentas por dia.

Os destros vivem em média 9 anos a mais do que os canhotos.

O coração bombeia o sangue com uma pressão suficiente para o esguichar a uma altura de 9 metros.

Apenas uma pessoa em cada 2 bilhões viverá mais de 1 1 6 anos.

Uma pessoa pisca os olhos aproximadamente 25 mil vezes por dia.

Se uma pessoa usar “headphones” durante mais de uma hora, o número de bactérias do ouvido aumenta 700 vezes.

O coração humano bate mais de 100.000 vezes por dia!

Por cada sílaba que o homem fala, 72 músculos entram em movimento. Para sorrir, são utilizados 14 músculos. Para beijar, 29.

Os pulmões contêm quase 2400 quilômetros de vias aéreas e mais de 300 milhões de alvéolos.

Se você mantiver, à força, os olhos abertos durante um espirro, é possível que eles saiam das órbitas.

O músculo mais potente do corpo humano é a língua.Que 'máquina' maravilhosa é o nosso corpo!


Isso me faz lembrar meu professor de Filosofia, lá no ensino médio. Ele dizia: " O Homem é uma unidade psico-somática". Pois essa bela máquina, sem a alma, o sopro de vida, não é nada, apesar de toda a sua complexidade.

sábado, maio 30, 2009

sexta-feira, maio 29, 2009

Li "O Leitor" de Bernhard Schlink

Um dos melhores livros que li em minha vida.
Saí de casa para assistir o filme, mas já tinha saído de cartaz aqui na cidade. Não tive dúvida, ao lado do cinema tem uma livraria, comprei o livro.
Ainda emprestei para a amiga que me acompanhava, pois estava terminando outro.
O autor, Bernhard Schlink, é alemão, advogado e professor de filosofia. Parece que ele senta-se ao lado da gente e começa a contar a sua história, seu primeiro amor, as leituras de livros que fazia para ela, o abandono, o reencontro em situações inesperadas, a continuação das leituras, agora gravadas em um gravador e enviadas a ela. E um desfecho inesperado para uma história tão rica.
Recomendo!

sábado, maio 23, 2009

O caminho de Abraão

Abrir a mente para novas falas, a alma para abrigar o “outro”, libertar-se de convenções e de formatos preestabelecidos, enfim, tirar os sapatos, que protegem o homem, mas também isolam e evitam o contato com um chão de muitas verdades e possibilidades. Foi traçando a rota seguida por Abraão, patriarca das três religiões monoteístas – cristianismo, judaísmo e islamismo – que o rabino Nilton Bonder, com os pés no chão, aprendeu que mais importante que o destino da viagem é o caminho percorrido. Em 2006, Bonder foi convidado a participar, ao lado de 23 representantes de diferentes países e religiões, de uma peregrinação pelo Oriente Médio: é O Caminho de Abraão, projeto do Departamento de Mediação de Conflitos da Universidade de Harvard, que visa a apoiar a abertura de uma extensa rota de turismo histórico e cultural para refazer a jornada deste importante personagem pela região - que vive em tensão permanente - há cerca de quatro mil anos. Em Tirando os sapatos, o rabino relata suas experiências durante a caminhada.

O relato é apresentado de duas formas distintas: uma é um diário de viagem, no qual Bonder descreve suas impressões dos locais por que passou e da convivência com o eclético grupo – formado por pessoas de diversas crenças e religiões – com que conviveu, extraído de uma longa entrevista à jornalista Tania Menai. A outra representa a sua viagem espiritual, que mostra suas etapas de estranhamento ao se defrontar, durante a peregrinação, com diferentes significados que a trajetória de Abraão tem para as três religiões.

Mais que um destino turístico, O Caminho de Abraão tem o potencial de promover o desenvolvimento comunitário, a formação de lideranças jovens, a preservação do patrimônio histórico e do meio ambiente e uma imagem positiva da região na mídia, destacando a hospitalidade de seu povo e, mais importante, o encontro entre pessoas e o diálogo entre religiões diversas. Diálogo que começou no próprio grupo de Bonder. Apesar de a maioria dos participantes ter uma visão neutra da região, havia quem tivesse definida inclinação pelo mundo árabe: um xeque turco, um padre italiano radicado na Síria e um paquistanês islâmico. Este último nutria opiniões muito radicais sobre Israel e mostrou-se bastante incomodado quando soube que Bonder é judeu.

Foi uma viagem de alguma tensão para Bonder, que teve que omitir quase o tempo todo sua condição de rabino para poder circular pela região. A solução para aliviar esta pressão foi não reagir àquilo que o rejeita, abrir-se para o ponto de vista do outro, muitas vezes indo de encontro ao que pensava, incluindo as do paquistanês, de quem, por fim, conseguiu virar colega, após longa troca de idéias.

Também foi por meio desta convivência que Bonder ouviu teorias interessantes como a de que os conflitos religiosos no Oriente Médio teriam uma explicação geológica, segundo uma profissional de Harvard: a área é uma área turbulenta, incluindo o Mar Morto, a região mais baixa do planeta. Ali ocorrem muitas movimentações tectônicas devido à presença de um cinturão sísmico. Curiosamente, todas as regiões do mundo com movimentos tectônicos são áreas de alta espiritualidade: a Califórnia, os Andes, o México, o Himalaia. Áreas geologicamente instáveis ativam, no ser humano, a necessidade espiritual. A estabilidade traz acomodação.

Diferentemente de um turista comum, o peregrino aprende mais no trajeto: o que importa é estar sempre em movimento, mesmo que não se saiba qual é a chegada, o ponto final da viagem. É durante o caminho que ele aprende a se desfazer da bagagem – que representa, assim como os sapatos, a identidade do indivíduo, uma forma de proteção da pessoa em relação ao desconhecido. O importante aqui é, como fez Bonder, jogar-se na interação com o lugar e, principalmente, com as pessoas. Não ter medo de perder a identidade. É por meio da alteridade, de olhar o mundo pelo olhar do outro, que se pode desfazer de sapatos, bagagens, preconceitos e intolerâncias.

Foi a partir desta visão que Bonder identificou como as religiões vêem a importância e a história de Abraão de formas diferentes e desenvolveu o conceito de “paralelismo histórico”. A História não obedeceria necessariamente a uma cronologia rígida, em que um evento vem antes do outro, estabelecendo um único fluxo que comporta uma única verdade: “A História não é tão consecutiva e cronológica como me haviam ensinado e como eu a percebia. Há um paralelismo na História. Coisas acontecem ao mesmo tempo, ou mais do que isso, enquanto coisas estão acontecendo para um grupo estão também acontecendo para o outro. Não há apenas um acontecimento sobre o qual se possa determinar a autoria e patrimônio.”

Com 1.200 quilômetros, a rota tem início nas ruínas de Haran, na Turquia, local onde, acredita-se, o patriarca ouviu pela primeira vez o chamado de Deus. E se estende por todo o Oriente Médio, incluindo cidades históricas como Alepo, Damasco, Jericó, Nablus, Belém e Jerusalém, e regiões de grande riqueza natural e cultural como as colinas do Líbano, a região de Ajloun da Jordânia e o deserto de Grajev, em Israel. No trajeto, encontram-se alguns dos locais mais sagrados do mundo. O ponto alto é a cidade de Hebron/ Al Khalil, local do túmulo de Abraão. Futuramente, o caminho será estendido para englobar as idas e vindas de Abraão rumo ao Egito, Iraque e, para os muçulmanos, Meca, na Arábia Saudita. O Caminho de Abraão é um projeto em andamento e mais informações podem ser encontradas em www.abrahampath.org.

TIRANDO OS SAPATOS – Nilton Bonder - Editora Rocco - 2008

sábado, maio 09, 2009

Que tipo de livro vc é?

Faça o teste clicando no link abaixo:

http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/testes/livro-nacional.shtml?perg=1

sábado, maio 02, 2009

Um asteróide pode chocar com a Terra em 2014?

Parece filme de ficção científica, mas não é. Muita gente não sabe, que um asteróide com cerca de 1 km de diâmetro, poderá estar em rota de colisão com a Terra em 21 de março de 2014. O acontecimento, embora tenha sido divulgado inicialmente em 2003, permanece viável até hoje. Para quem não sabe, segundo agências britânicas, responsáveis pelo controlo de objetos potencialmente perigosos para a Terra, o impacto do objeto sobre o nosso planeta, seria o equivalente ao lançamento de 20 milhões de bombas atômicas, capazes de causar um grande estrago.

Mas calma. Antes de pensar que é o fim de tudo, é bom saber que há grandes hipóteses de que tudo não passe de um grande susto. De acordo com a BBC, seu diâmetro corresponde a cerca de um décimo da massa do meteorito que, segundo os cientistas, extinguiu todos os dinossauros da superfície da Terra. Além disso, as chances deste corpo celeste atingir nosso planeta são de apenas de uma em 250 mil.

O 2003, o QQ47, como é conhecido, é formado por vários pedaços de pedra que permaneceram no espaço, resultado da formação do Sistema Solar. Até passar perto da Terra, o asteróide viajará a uma velocidade de 1 15 mil km/h e será seguido constantemente pelos especialistas. É aguardar para ver o que acontece.


Conclusão: Gosto muito de astronomia, não perco a oportunidade de assistir documentários na TV ou ler algo aqui na net. Até faço parte de grupos de astrônomos virtuais. E a gente aprende uma lição muito básica: os corpos celestes têm um ciclo de vida como nós seres biológicos. Uma estrela, por exemplo, nasce, cresce, tem um longo tempo de vida e um dia... morre.Aliás, eu acho isso lindíssimo e, é algo para se pensar. Então, nosso maravilhoso sol, uma estrela de quinta grandeza, um dia esfriará, tornando inviável nossa permanência aqui. Com base nisso, sempre considerei o final dos tempos bíblico, apenas um alerta de que a natureza é feita de ciclos e que a vida se renova, nada mais que isso. Se a raça humana sobreviverá? É só ler nas entrelinhas da natureza, o planeta passou por muitas mudanças durante eras, mas a vida nunca se extinguiu, nem na época de Noé... e até o sol esfriar, muita coisa acontecerá em termos de desenvolvimento tecnológico e humano. A pista? Está lá na Bíblia: um novo céu e uma nova terra.

terça-feira, março 31, 2009

O viver melhor ou o bem viver?

Na ideologia dominante, todo mundo quer viver melhor e desfrutar de uma melhor qualidade de vida. Comumente associa esta qualidade de vida ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada pais. O PIB representa todas as riquezas materiais que um país produz. Se este é o critério, então os países melhor colocados são os Estados Unidos, seguidos do Japão, Alemanha, Suécia e outros. Este PIB é uma medida inventada pelo capitalismo para estimular a produção crescente de bens materiais a serem consumidos.

Nos últimos anos, dado o crescimento da pobreza e da urbanização favelizada do mundo e até por um senso de decência, a ONU introduziu a categoria IDH, o "Índice de Desenvolvimento Humano". Nele se elencam valores intangíveis como saúde, educação, igualdade social, cuidado para com a natureza, equidade de gênero e outros. Enriqueceu o sentido de "qualidade de vida" que era entendido de forma muito materialista: goza de boa qualidade de vida quem mais e melhor consome.
Consoante o IDH a pequena Cuba apresenta-se melhor situada que os EUA, embora com um PIB comparativamente ínfimo.

Acima de todos os países está o Butão, espremido entre a China e Índia aos pés do Himalaia, muito pobre materialmente mas que estatuiu oficialmente o "Índice de Felicidade Interna Bruta". Este não é medido por critérios quantitativos mas qualitativos, como boa governança das autoridades, eqüitativa distribuição dos excedentes da agricultura de subsistência, da extração vegetal e da venda de energia para a Índia, boa saúde e educação e especialmente bom nível de cooperação de todos para garantir a paz social.

Nas tradições indígenas de Abya Yala, nome para o nosso Continente indioamericano ao invés de "viver melhor" se fala em "bem viver". Esta categoria entrou nas constituições da Bolívia e do Equador como o objetivo social a ser perseguido pelo Estado e por toda a sociedade.

O "viver melhor" supõe uma ética do progresso ilimitado e nos incita a uma competição com os outros para criar mais e mais condições para "viver melhor". Entretanto para que alguns pudessem "viver melhor" milhões e milhões têm e tiveram que "viver mal". É a contradição capitalista.

Contrariamente, o "bem viver" visa a uma ética da suficiência para toda a comunidade e não apenas para o indivíduo. O "bem viver" supõe uma visão holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrenal que inclui além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais; é estar em profunda comunhão com a Pacha Mama (Terra), com as energias do universo e com Deus.

A preocupação central não é acumular. De mais a mais, a Mãe Terra nos fornece tudo que precisamos. Nosso trabalho supre o que ele não nos pode dar ou a ajudamos a produzir o suficiente e decente para todos, também para os animais e as plantas. "Bem viver" é estar em permanente harmonia com o todo, celebrando os ritos sagrados que continuamente renovam a conexão cósmica e com Deus.

O "bem viver" nos convida a não consumir mais do que o ecossistema pode suportar, a evitar a produção de resíduos que não podemos absorver com segurança e nos incita a reutilizar e reciclar tudo o que tivermos usado. Será um consumo reciclável e frugal. Então não haverá escassez.

Nesta época de busca de novos caminhos para a humanidade a idéia do "bem viver" tem muito a nos ensinar.

Leonardo Boff

* Teólogo, filósofo e escritor

segunda-feira, março 30, 2009

Voar!

"Não me deem fórmulas certas,

porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim,

porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou,

não me convidem a ser igual,

porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade,

não sei viver de mentiras,

não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma,

mas com certeza não serei

a mesma pra sempre!

Gosto dos venenos mais lentos,

das bebidas mais amargas,

das drogas mais poderosas,

das ideias mais insanas,

dos pensamentos mais complexos,

dos sentimentos mais fortes.

Tenho um apetite voraz

E os delírios mais loucos.

Você pode até me empurrar de um penhasco

que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!".



CLARICE LISPECTOR

quinta-feira, março 12, 2009

Excomungamos...

Excomungamos todos aqueles que multiplicam sua renda através da especulação financeira, principais responsáveis pela crise atual, com todos os males que ela provoca, tornando mais miseráveis os pobres e mais poderosos os ricos...
Excomungamos todos os "paraísos fiscais", onde o trabalho da imensa multidão anônima se converte em ouro, em dólares e em capital para uso de poucos...

Excomungamos o sistema capitalista de produção e sua filosofia liberal que, ao longo da história, se nutre da exploração dos recursos naturais, do trabalho humano e do patrimônio cultural dos povos...

Excomungamos todos aqueles que acumulam fazenda sobre fazenda, casa sobre casa, criando imensos latifúndios improdutivos ou mansões vazias, ao lado de milhões de pessoas famintas e sem terra e sem teto...

Excomungamos os responsáveis pelos assassinatos no campo e na cidade, não somente os que empunham a arma do crime, mas com maior razão os que pagam para matar...

Excomungamos todos os políticos que, apoiados pelo voto popular, usam do poder em benefício próprio e de seus apadrinhados, traindo aqueles que o elegeram e corrompendo os canais da participação popular...

Excomungamos todo Estado que alimenta um exército de soldados e burocratas e, ao mesmo tempo, deixa cada vez mais precários os serviços públicos, substituindo-os com políticas compensatórias...

Excomungamos todos os traficantes de droga, de pessoas humanas ou de órgãos humanos, que mercantilizam a vida e causam a destruição da família e de todos os laços fraternos de solidariedade...

Excomungamos todas as milícias paramilitares e a "banda podre" das polícias porque, a cada ano, ceifam a vida de milhares de jovens e adolescentes...

Excomungamos todos os tiranos que a ferro e fogo ainda reinam sobre a face da terra, assentados em tronos de ouro, construídos com o sangue, o suor e as lágrimas de seus súditos...

Excomungamos todos os mega-projetos, agro e hidro negócios, que devastam a natureza, contaminam o ar e as águas e, no afã de acumular poder e riqueza, reduzem drasticamente a biodiversidade sobre o planeta Terra...

Excomungamos todos os pedófilos, estupradores, sequestradores e seus cúmplices que não só escandalizam os inocentes, mas os convertem em objeto de prazer e de lucro...

Excomungamos a violência do homem sobre a mulher e as crianças, não raro encoberta pela inviolabilidade do lar e da família e que, aos milhões, esconde hematomas, cicatrizes e traumas sem remédio...

Excomungamos os que fazem de seus carros uma arma que fere, mutila e mata e que seguem impunes pelas ruas com suas máquinas velozes e letais...

Excomungamos todo tipo de exploração do trabalho humano, transformando mulheres e homens em peças descartáveis de uma engrenagem que se alimenta de carne humana...

Excomungamos todo sistema prisional que, pela superlotação, pelos abusos e pela tortura, avilta a pessoa humana e faz da prisão uma verdadeira escola do crime...

Excomungamos todas injustiças e assimetrias realizadas em nome da "democracia liberal", pois a história tem sido testemunha de que essas duas expressões são incompatíveis...

Pe. Alfredo J. Gonçalves *
* Assessor das Pastorais Sociais.

Enfim! 27 escravagistas condenados por prática de trabalho escravo

Em ato exemplar, esperado da Justiça brasileira por muitos anos, o Juiz Federal de Marabá, Carlos Henrique Borlido Haddad, despachou no último dia 5 de março, 32 sentenças em ações penais movidas por prática de trabalho escravo, um crime definido pelos artigos 149, 203 e 207 do Código Penal. Em 26 sentenças condenatórias, 27 pessoas receberam penas que variam entre três anos e quatro meses e 10 anos e seis meses de prisão, com média de cinco anos e quatro meses: são quase todos proprietários do sul e sudeste do Pará, além de alguns gerentes e agenciadores de mão-de-obra. Outras oito pessoas, em seis ações, foram absolvidas.

À origem dessas ações estão 32 fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho entre os anos 1999 e 2008, libertando cerca de 500 escravos (sendo 431 somente nas terras dos réus hoje condenados), em atividades de desmatamento, roço de pasto e carvoaria, em propriedades localizadas principalmente nos municípios de Itupiranga, Marabá, São Felix do Xingu, Rondon do Pará e Rio Maria. Metade das denúncias foi colhida pela CPT junto a trabalhadores fugitivos procurando socorro.

Paradoxo? Consta no rol dos atuais condenados o gerente da fazenda Lagoa das Vacas, em São Félix do Xingu, cujo dono, Aldimir Lima Nunes, vulgo ‘Branquinho’, ganhou Habeas Corpus junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 28/06/2007 após condenação à prisão pela mesma Justiça Federal de Marabá, pelo mesmo crime e por crimes agravantes (incluindo ameaças de morte contra autoridades e contra agentes da CPT).

Embora passíveis de recursos cuja tramitação poderá gastar anos, tais sentenças criminais constituem uma verdadeira revolução no panorama de impunidade irrestrita de que se beneficiaram até hoje os escravagistas modernos no Brasil, uma situação amplamente denunciada nacional e internacionalmente e que só começou a ser revertida após a decisão do STF, em 30/11/2006, atribuindo à Justiça federal a competência para julgar este crime.

A indefinição que prevalecia até então garantia aos réus a possibilidade de recursos sem fim, até conseguir a prescrição do crime. Em virtude dessa brecha legal mantida por décadas com o consentimento do Judiciário, centenas de criminosos deixaram de ser julgados, muitos deles reincidindo mais de uma vez no mesmo crime. Menos de dez deles receberam pena privativa de liberdade.

Na ausência de possibilidade legal de confiscar a propriedade de tais criminosos (enquanto o Congresso protelar a aprovação da PEC 438/2001), as únicas punições aplicadas até hoje têm resultado de condenações pecuniárias pronunciadas pela Justiça do Trabalho ou dos efeitos dissuasivos oriundos da inclusão dos proprietários na "Lista Suja", frustrando dramaticamente as metas da política nacional de erradicação do trabalho escravo.

Das 445 fiscalizações realizadas no Pará entre 1995 e 2008, com efetiva libertação (11.035 libertados), somente 204 geraram Ação Penal, sendo 144 efetivadas entre 2007 e 2008. No Tocantins, equiparado com o Mato Grosso e o Maranhão nesse deplorável ranking, 107 fiscalizações do mesmo período libertaram 1.909 escravos, mas resultaram em somente 21 Ações Penais.

Tamanho déficit na ação da justiça resulta cumulativamente da não-conclusão de centenas de Inquéritos criminais de competência da Polícia Federal, da inércia do Ministério Público, da lerdeza calculada do Judiciário. Por outro lado, para explicar essa incipiente retomada, reconhece o Juiz Haddad: "Tudo decorre da ênfase dada às fiscalizações pelo Ministério do Trabalho e Emprego nos últimos anos. O trabalho do grupo móvel, traduzido nas ações dos procuradores, gerou mais processos na Justiça. A fiscalização mais intensa possibilita que haja mais decisões e punições em casos de trabalho escravo".

As atuais condenações ganham especial relevância no contexto da polêmica latente, alimentada pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária) e sua bancada ruralista, sobre a natureza da escravidão contemporânea no âmbito do "moderno" agronegócio brasileiro, e sobre seu conceito legal. O entendimento expressado pelo Juiz Federal de Marabá está em perfeita sintonia com a letra e o espírito da lei quando afirma que "a lesão à liberdade pessoal provocada pelo crime de redução à condição análoga à de escravo não se restringe a impedir a liberdade de locomoção das pessoas. A proteção prevista em lei dirige-se à liberdade pessoal, na qual se inclui a liberdade de autodeterminação, em que a pessoa tem a faculdade de decidir o que fazer, como, quando e onde fazer", o que não é possível para alguém submetido a condições degradantes ou mesmo a trabalho forçado, as duas hipóteses constitutivas do tipo penal.

Além de irreversíveis danos ao meio ambiente e aos territórios de comunidades tradicionais, o desenfreado avanço do agronegócio sobre as terras do cerrado e da floresta têm resultado até hoje na afronta brutal aos direitos do trabalhador, culminando no recrudescimento do trabalho escravo. Tratados como mero insumo e mercadoria descartável no processo produtivo, 5.244 brasileiros e brasileiras foram libertados da escravidão em 2008, o segundo recorde histórico desde 1995.

Esse escândalo tem que acabar.

Oxalá a Justiça brasileira acorde de vez e cumpra enfim seu papel constitucional, punindo os verdadeiros criminosos de forma dissuasiva, amparando as vítimas e estimulando a sociedade civil a continuar se mobilizando pelo direito de todos à terra e à dignidade.

Coordenação Nacional da CPT
Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo

O Bispo e o Ministro

Nesta quarta-feira, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, excomungou médicos do SUS que praticaram um aborto numa menina de nove anos estuprada pelo padrasto. Para justificar sua postura, declarou: ‘A lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Então, quando uma lei humana, quer dizer, uma lei promulgada pelos legisladores humanos, é contrária à lei de Deus, essa lei humana não tem nenhum valor’. Sobre o mesmo fato, o Ministro Temporão, da Saúde, declarou o seguinte: ‘Fiquei chocado com os dois fatos: com o que aconteceu com a menina e com a posição desse religioso que, equivocadamente, ao dizer que defende uma vida, coloca em risco uma outra tão importante’.
Estamos diante de discursos opostos. Enquanto o bispo afirma que seu discurso é universal e, portanto, se aplica a qualquer situação, o ministro parte da necessidade de se adequar discurso e realidade concreta. Para o bispo, o fato (um aborto) está subordinado ao conceito (o aborto); para o ministro, o fato origina o conceito. O ministro parte da análise de fatos concretos para emitir seu juízo; o bispo engloba fatos concretos dentro de uma conceituação universal.

Aqui não se trata apenas de um embate entre um bispo fundamentalista e um ministro de mentalidade aberta. Trata-se de leituras opostas da realidade. O bispo parte da idéia de que ‘conceitos’ (sagrados) dispensam averiguação de fatos, pois ‘captam’ em si a realidade. A idéia é: ‘Aborto é aborto, em qualquer circunstância’. Ao afirmar que o aborto de uma menina de nove anos, estuprada, constitui um pecado contra a lei divina (e, portanto, universal), o bispo parte do pressuposto de que existe um discurso que ‘capta’ tudo o que existe no mundo, sem nenhuma averiguação de circunstâncias. Essa maneira de pensar está em flagrante oposição ao que nos ensina o maior teólogo do cristianismo, Santo Tomás de Aquino, quando afirma: ‘Nada há na inteligência que não provenha dos sentidos (nossos cinco sentidos corporais)’. Santo Tomás diz que o conhecimento humano, para ser verdadeiro, tem de partir necessariamente da observação (visão, audição, etc.) de fatos.

Ao longo da história ocidental, a não-observância dessa sábia orientação tem originado desastres de enormes dimensões e muitos sofrimentos inúteis. Em nome do conceito ‘heresia’ instalou-se a inquisição, em nome da ‘guerra contra os infiéis’ organizaram-se as cruzadas, em nome da ‘pureza racial’ o nazismo acendeu os fornos de Auschwitz, em nome da ‘war on terror’ Bush - ainda recentemente - mandou invadir o Iraque, em nome da ‘moralidade’ um bispo austríaco declarou - uns dias atrás - que a Katrina (furacão que devastou New Orleans) era um ‘castigo de Deus’ (talvez por causa das clínicas autorizadas de aborto existentes na cidade).

O bispo de Recife está igualmente em descompasso com seus colegas que redigiram, em 2007, o ‘Documento de Aparecida’ baseado no princípio tomista do ‘ver, julgar, agir’. Não se pode agir (nem falar publicamente) sem antes ‘ver’ (observar o fato concreto) e ‘julgar’ (formar uma idéia a partir da observação da realidade). Afirmar, sem pesquisar fatos concretos, que terrorismo é terrorismo, heresia é heresia, homossexualidade é homossexualidade, divórcio é divórcio, guerra santa é guerra santa, aborto é aborto, pode levar a comunidade humana à repetição dos piores desastres.

Os médicos do SUS de Recife, dando seus depoimentos, partiram da averiguação de fatos. O bispo de Recife, pelo contrário, abusa da autoridade e se apropria de um discurso que não lhe compete, ao pregar a desobediência a leis devidamente estabelecidas numa sociedade laica e democrática. É preocupante constatar que esse discurso perigoso não receba o devido repúdio, depois de tantas lições do passado. Tocou-me a palavra do Ministro Temporão quando disse que ficou ‘chocado’. Eu também fiquei.

Eduardo Hoonaert *
* Historiador

sábado, fevereiro 28, 2009

Brasil - É carnaval em mim

Neste Carnaval anseio por folias interiores, de maravilhas indescritíveis, de sinuosos alaridos, de magnificências a dispensar ruídos e palavras. Quero toda a avenida regida por inequívoco silêncio, o baile imponderável em gestos rituais, a euforia estampada em cada sorriso.
Rasgarei a fantasia de minhas pretensões e, despido de hipocrisias, deixarei meu eu mais solidário desfilar alegre pelas recônditas passarelas de minha alma.
Fecharei os ouvidos à estridência dos apitos e, mente alerta, escutarei o ressoar melódico do mais íntimo de mim mesmo. Deixarei cair as máscaras do ego e, nas alamedas da transparência, farei desfilar, soberba, a penúria de minha condição humana.
Aplaudirei os sambistas com fogo nos pés e as mulatas eletrizadas pelo ritmo da batucada. Mas não me deixarei arrastar pelo bloco da concupiscência. Inebriado pelo ritmo agônico da cuíca, serei o mais iconoclasta dos discípulos de Momo, recolhido ao vazio de minha própria imaginação.
Neste Carnaval serei figurante na escola da irreverência e desfilarei pelas ruas meu incontido solipsismo, até cessar a bateria que faz dançar os fantasmas que me povoam. Envolto na desfantasia do real, atirarei confetes aos foliões e perseguirei os voos das serpentinas para que impregnem de colorido as diatribes de meu ceticismo.
No estertor da madrugada, farei ébrias confidências à Colombina e, Arlequim apaixonado, ofertarei as pétalas que me recobrem o coração. Não porei olhos no desfile da insensatez, nem abrirei alas à luxúria do moralismo. Quando a porta-bandeira desfraldar encantos, ficarei ajoelhado na ala das baianas para reverenciar o Almirante Negro.
Ao eco dos tamborins, esperarei baixar a sofreguidão que me assalta, buscarei a euforia do espírito no avesso de todas as minhas crenças, exibirei em carros alegóricos as íngremes ladeiras da montanha dos sete patamares.
Darei vivas à vida severina, riscarei Pasárgada de meu mapa e, ainda que não me chame Raimundo, farei da rima solução de tantos impasses nesse devasso mundo. Expulsarei de meu camarote todos os incrédulos do Pai Nosso cegos aos direitos do pão deles.
Revestido de inconclusas alegorias, sairei no cordão das premonições equivocadas e, vestido de Pierrô, aguardarei sentado na esquina que a noite se dissolva em epifânica aurora.
Ao passar o corso da incompletude, abrirei as gaiolas da compaixão para ver o céu coberto pela revoada de anjos. Trocarei as marchinhas por aleluias e encharcarei de perfume os monges voláteis incrustados em minhas imprudências.
Olhos fixos no esplendor das batucadas siderais, contemplarei o desfile fulgurante dos astros na Via Láctea. Verei o sol, mestre-sala, inflamar-se rubro à dança elíptica da cabrocha Terra. Se Deus der as caras, festejarei a beatífica apoteose.
No cortejo dos Filhos de Gandhy, evocarei os orixás de todas as crenças para que a paz se irradie sobeja. Do alto do trio elétrico, puxarei o canto devocional de quem faz da vida a arte de semear estrelas.
Entoado o alusivo, darei o grito da paz, pronto a fazer da comissão de frente o prenúncio do inefável. No reverso do verso, cunharei promissoras notícias e, no quesito harmonia, farei a víbora e o cordeiro beberem da mesma fonte.
Meu enredo terá a simplicidade de um haicai, a imponência de um poema épico, a beleza das histórias recontadas às crianças. De adereços, o mínimo: a felicidade de quem pisa os astros distraído.
Farei da nudez a mais pura revelação de todas as virtudes; assim, ninguém terá vergonha de mostrar o que Deus não teve de criar, e a culpa será redimida pelo amor infindo. A rainha da bateria virá tão bela quanto uma vitória-régia pousada numa lagoa despudoramente límpida. Sua beleza interior suscitará assombro.
A evolução da escola culminará em revolução: a fantasia se fará realidade assim como o sertão há de vir amar e o mar de ser tão pellegrinamente pão do espírito.
Neste Carnaval não haverei de me embriagar de etílicos prazeres nem me deixarei arrastar pelos clóvis a disseminar o medo entre alegrias. Irei aos bailes rituais e me submeterei às libações subjetivas, ofertarei ao Mistério cálices de clarividências e iluminuras gravadas em hóstias.
Enclausurado na comunhão trinitária, ingressarei na festa que se faz de fé e na qual toda esperança extravasa no amor que não conhece dor. Então a palavra se fará verbo, o verbo, carne, e a carne será transubstanciada em festival perene - Carnaval.
Frei Betto *
[Autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O amor fecunda o Universo - ecologia e espiritualidade" (Agir), entre outros livros].