quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Você é rico?

Adital - Quase todo mundo gostaria de ser rico. Este sonho abastece loterias, bingos e certas igrejas que, em troca dos minguados recursos dos fiéis, prometem prosperidade na Terra e confortável eternidade no Céu. Pena que ser rico é, para muitos, uma questão de sorte, como nascer numa família abastada ou ganhar na mega-sena; para outros, uma questão de oportunidade, como os corruptos; para uns poucos, fruto de inteligência e trabalho, como é o caso de Bill Gates, que largou a faculdade para distrair-se com informática na garagem de casa e teve seu pedido de cartão de crédito recusado pela American Express por falta de renda suficiente. Calcula-se que a fortuna da espécie humana, somados rendas e patrimônios, atinja, hoje, algo em torno de US$ 133,25 trilhões de dólares. Mais da metade está em mãos de apenas 2% da população mundial, ou seja, 13 milhões de pessoas, a população da capital paulista. Na outra ponta, metade das pessoas mais pobres, que somam cerca de 4 bilhões, dispõem de apenas 1% da riqueza do mundo, o equivalente a US$ 133,5 milhões. Os dados são do Instituto Mundial de Pesquisa Econômica do Desenvolvimento, vinculado à Universidade da ONU, que funciona na Finlândia. Se você possui patrimônio superior a R$ 135 mil, saiba que faz parte do seleto clube dos 10% mais ricos da população mundial. Dá para chamar Bill Gates de colega, embora o patrimônio dele seja equivalente ao que o Brasil possui de reserva cambial: US$ 80 bilhões. Gates, contudo, integra também um outro clube, fechadíssimo, o que reúne 1% de adultos (37 milhões de pessoas) com patrimônio superior a US$ 500 mil. Se seu patrimônio é de R$ 4,8 mil, considere-se felizardo, pois você faz parte da metade superior da escala mundial de riqueza. A riqueza mundial está de tal modo concentrada em tão poucas mãos que, se fosse equitativamente distribuída, cada habitante do planeta embolsaria US$ 20,5 mil, ou seja, algo em torno de R$ 45 mil. Quase 90% da fortuna mundial pertencem aos habitantes dos EUA, do Canadá, da Europa, do Japão e da Austrália. Apesar de os EUA e o Canadá abrigarem apenas 6% da população adulta do mundo, ela embolsa 34% do patrimônio domiciliar total. Quase 1/3 (32,6%) da riqueza dos 10% mais ricos do mundo concentra-se nos EUA. Não é à toa que tantos miram aquele país como as caravanas do deserto enxergam oásis em cada duna de areia... E o Brasil? Possui apenas 1,3% da riqueza mundial, embora reúna 2,8% da população da Terra. Aqui, os 10% mais ricos têm patrimônio equivalente a 1,5% do patrimônio dos 10% mais ricos do mundo. Se a comparação é feita com os 10% mais pobres do mundo, nosso país fica com 1,9% do patrimônio. A China não figura entre os mais ricos porque o patrimônio médio de sua população é modesto e a distribuição de renda equilibrada, segundo os padrões internacionais. Quando um país enriquece, modifica-se a maneira de sua população reter patrimônio. Nas nações emergentes, como a nosso, os ricos o preferem na forma de imóveis, terrenos e terras (haja latifúndio!). Nas de renda média, predominam a poupança e aplicações financeiras. Nos mais ricos, como EUA e Reino Unido, as fortunas são multiplicadas através de ações e aplicações financeiras sofisticadas, mantém-se o dinheiro em paraísos fiscais ou investe-se em países pobres, ansiosos por atrair capital estrangeiro. Contudo, uma boa notícia para os mais pobres: sua população é menos endividada, não por precaução das pessoas, e sim porque as instituições financeiras não costumam oferecer crédito a quem não tem renda nem patrimônio. A pesquisa da ONU demonstra que estamos longe da justiça global. O egoísmo (eu primeiro, depois eu e, em seguida, os demais) encontrou no capitalismo sua fértil e expansiva cultura. O que é um mal passou a ser um direito: o de acumular riqueza em detrimento da pobreza alheia. Até quando os pobres suportarão tamanha injustiça? Na América Latina a resposta começa a ser esboçada: com 40% de sua população condenada à pobreza e à miséria, os eleitores manifestaram nas urnas, este ano, que preferem presidentes eleitoralmente comprometidos com mudanças sociais. Resta saber se administrativamente haverão de corresponder às expectativas ou preferirão chocar o ovo da serpente.

Frei Betto é escritor, autor de "Treze contos diabólicos e um angélico" (Planeta), entre outros livros.

* Frei dominicano. Escritor.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Conto de fadas para as mulheres do século 21



Era uma vez, numa terra muito distante, uma linda princesa, independente e cheia de auto-estima que, enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo estava de acordo com as conformidades ecológicas, se deparou com uma rã. Então, a rã pulou para o seu colo e disse:- Linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa málançou-me um encanto e eu transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir um lar feliz no teu lindo castelo. A minha mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavarias as minhas roupas, criarias os nossos filhos e viveríamos felizes para sempre. Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã à sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria e pensava: Nem morta!


Luís Fernando Veríssimo

domingo, fevereiro 18, 2007

Arte de amar - Manoel Bandeira



Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Dom Erwin - O profeta do Xingu

Quarenta e um anos e Altamira, no Pará dão-lhe a autoridade para falar em defesa dos povos e da natureza da Amazônia como poucos brasileiros poderiam. Mas é austríaco (naturalizado brasileiro) e veio para o nosso país com 26 anos, para trabalhar na prelazia do Xingu (a maior diocese do mundo: 368 mil quilômetros quadrados), presidida, na época, por seu tio dom Eurico, ao qual sucedeu em 1981. Estamos falando de dom Erwin Kräutler, uma das figuras mais significativas da Igreja amazonense.
Ultimamente, seu nome tem a parecido na mídia, devido às ameaças de que está sendo objeto em reação às suas fortes e documentadas denúncias contra as violações dos direitos humanos e do ambiente. Mas estas não sãos novidades: em 1983, foi preso por defender os canavieiros da Transamazônica; em 1987, sofreu um acidente de carro, claramente intencional, no qual outro padre morreu e ele ficou hospitalizado por seis meses.
Como ele mesmo declarou, em um documento de 18 de julho de 2006, as causas principais do ódio de seus inimigos são principalmente três:

1) A exigência de se esclarecer completamente o assassinato de Irmã Dorothy Stang: “Não nos contentamos como a prisão dos executores e de três acusados de serem os mandantes [...] Os culpados não são a penas os que estão presos, condenados e aguardando julgamento. Há muito mais gente envolvida nesse crime, inclusive políticos que hoje, como prefeitos e vereadores, exercem seus mandatos sem serem importunados.”.
2) A oposição à realização do projeto da hidrelétrica de Belo Monte, que afetaria a vida de índios e ribeirinhos e a sobrevivência do rio Xingu. Escreve dom Erwin: “Os idealizadores e promotores deste tipo de projeto estariam bem mais à vontade se, em pleno terceiro milênio, esses índios “da era da pedra lascada” e esses ribeirinhos “atrasados e obsoletos” desaparecessem de uma vez por todas”.
3) O abuso sexual de menores. Entre 1989 e 1994, dom Erwin acompanhou a apuração de um terrível crime de emasculação de 20 meninos. Dois médicos, o filho de um comerciante e um ex-PM foram condenados de 35 a 77 anos de reclusão. Atualmente já estão soltos. Agora, diante de outra denúncia de abuso sexual contra menores, o bispo reagiu “sejam quais forem os criminosos e tenham eles acentuado poder político fi nanceiro, exigimos das autoridades judiciárias que tomem, com máxima urgência, as medidas necessárias para elucidar esses crimes contra a dignidade humana, identificar e prender todos os criminosos para livrar a sociedade altamirense desses monstros”. Como se vê, dom Erwin não é adepto da “diplomacia”, que esconde ou escamoteia a verdade; sua linguagem é “sim, sim, não”, por isso, muitos homens poderosos, atingidos pelas suas denúncias, não estão encontrando palavra para se defender a não ser a ameaça, e ameaça de morte. Numa entrevista a Isto é de 20 de setembro de 2006, à pergunta se ele não tinha medo, o bispo respondeu: “Medo não é a palavra correta. Digamos que a gente não se sente bem nesse contexto. Recebi proteção pessoal durante algumas semanas, mais isso, na minha função de bispo, é impensável; o pessoal está acostumado e receber o bispo, com alegria, com abraços e beijos. Se de repente, eu chego numa comunidade com dois soldados? Isso é absurdo! Não tem jeito, eu tenho que enfrentar a situação. Tenho fé em Deus;”
Este é o fiel retrato de dom Erwin.

Texto retirado da revista Mundo e Missão de janeiro e fevereiro 2007-02-17
Ano 14 – N 109

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Não furtes - Pecajo

R E F L E X Ã O – 375


Há roubos de variada natureza, jamais catalogados nos códigos de justiça daTerra.
Furto de tempo aos que trabalham.
Assaltos à tranqüilidade do próximo.
Depredações da confiança alheia
Invasões aos interesses dos outros.
Apropriações indébitas, através do pensamento
Espoliações da alegria e da esperança
Com chaves falsas da intriga e da calúnia, da crueldade e da má-fé, almas impiedosas existem, penetrando sutilmente nos corações desprevenidos, dilapidando-os em seus mais valiosos patrimônios espirituais...
Por esse motivo, a palavra do apóstolo Paulo se reveste de sublime e abrangente significação: “Aquele que furtava não furte mais”
As pessoas que aceitam os princípios cristãos, que dizem abraçar o Evangelho por norma de elevação da vida, devem procurar, acima de tudo, ocupar as mãos com atividades edificantes, a fim de que possam ser realmente úteis aos que necessitam.
Na preguiça está sediada a gerência do mal.
Quem alguma coisa faz, sempre tem algo a repartir.
Quem busca cumprir dignamente suas obrigações de cada dia para se fazer merecedor do posto que ocupa, atendendo especialmente aos deveres diante do Senhor, atravessa o caminho terrestre sem furtar a ninguém.
Há quem consiga furtar a si próprio, isto é, furta o próprio sentido da vida, perambulando pelas sombras da morte sem morrer. Trânsfugas da evolução, cerram-se entre as paredes da própria mente, cristalizados no egoísmo ou na vaidade, negando-se a partilhar a experiência comum. Privam-se voluntariamente da alegria que produz o amor ao próximo
Mergulham em sepulcros de ouro, de vício, de amargura e ilusão. Se vitimados pela tentação da riqueza moram em túmulos de cifrões, se derrotados pelos hábitos perniciosos, encarceram-se em grades de sombra; se prostrados pelo desalento, dormem no pranto da bancarrota moral e, se atormentados pelas mentiras com que envolvem a si mesmos residem sob as lápides, dificilmente permeáveis, dos enganos fatais.
Quem não quiser furtar a utilidade da própria vida deve participar do cotidiano coletivo, sair de si mesmo e buscar sentir a dor do vizinho, a necessidade do próximo, as angústias do irmão; não se galvanizar no próprio “eu”.
Em qualquer parte do universo somos usufrutuários do esforço e do sacrifício de milhões de existências. Temos que ceder em favor de outros, porque sempre há muitos que fazem por nós.


Fonte – Chico Xavier

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Em tempo

EM TEMPO
Rápida reflexão a cerca do problema da menoridade e maioridade


Outra vez a sociedade brasileira é acometida por um acontecimento que a deixa estarrecida e sensibilizada. Estou me referindo, sobretudo ao ocorrido no Rio de Janeiro, quando alguns rapazes, ao efetuarem um assalto, acontece, infelizmente, de arrastarem uma criança que ficou presa ao cinto de segurança. Diante dos fatos, parte da sociedade se mobiliza com manifestações de protestos, diante de instituições políticas. Usando do meio de comunicação e outros, no intuito de chamar a atenção de autoridades competentes para os fatos e assim pressionar que se reveja à questão da idade penal, que hoje estabelece a idade de 18 anos como referência mínima. É isso que eu estou entendendo. Que pena mesmo que as reflexões a cerca desse assunto se intensifica justamente ao calor de acontecimentos bárbaros, como os que vêem acontecendo no Rio de Janeiros! Entendo que é preciso ser sereno e profundo, para não incorrer num erro de avaliação e talvez ai cometer injustiça. Além de perder tempo com mediocridades.

Sabe, penso que a reflexão deve ser aprofundada, atingindo todos os seguimentos da sociedade brasileira. O interesse coletivo não deve ser confundido com interesses particulares. É preciso ainda observar e analisar todas as realidades envolvidas sem sensacionalismo, sem mágoa e mantendo imparcialidade.
Veja os fatos: dos que assassinaram aquele garoto depois que o arrastaram, um só tem menos de 18 anos. Por que esse alvoroço agora? E mais, os maiores criminosos do nosso país e por que não dizer do mundo, realmente não são os menores de idade. Em alguns lugares, como em alguns Estados dos EUA o fato de terem abaixado a idade penal não resolveu o problemas da violência. Então não tem sentido essa discussão. No mais, entendo que esse problema deve nos levar a refletir mais na raiz da questão!
Aqui no Brasil, o que mais nos assusta é a impunidade, o sentimento de impotência em relação à justiça que não poucas vezes é morosa, parcial e às vezes corrupta e incompetente. A justiça é cega! A balança pende sempre onde se coloca mais dinheiro. Como dizem “a justiça tem o seu preço”. Disso todos nós sabemos, até as crianças.

Então não entendo por que fazer um cavalo de batalha com essa questão agora! Sabemos que é de praxe de alguns meios de comunicação fazerem terrorismo dando cobertura aos fatos num tom exacerbado de sensacionalismo. Então esses não devem ser a referência para uma discussão equilibrada e serena.

É preciso considerar que há centenas e milhares de crianças que estão abandonadas, que vivem nas ruas perambulando, outras que morrem vítima da desnutrição, do mau atendimento médico. Veja o caso os Curumins (primeiros donos destas terras) no Mato Grosso do sul e no Tocantins! Se não cuidados bem dos nossos meninos por que agora queremos dar a eles um tratamento igual aos grandes? Por que ele ainda devem pagar por erros cometidos por gente adulta?

É oportuna a gente lembrar de criminosos como, um tal jornalista que disparou contra a sua ex-namorada e continua ai vivendo livremente, ainda que já condenado pela justiça, (“justiça”?) Não é menor de idade. Do ex-juíz Nicolau que desviou “desviou”? (será que não roubou?) mais de 140 milhões e ale de não ter ressarcido a união, continua livre. Coitado, está doente demais pra se preso na cadeia. Então está em sua “casinha”, uma mansão num bairro nobre de São Paulo. Nota: Não é menor de idade. Ainda me lembro de como ele debochava de todos os brasileiros mostrando uma de suas casas nos EUA. (detalhe: até as torneiras eram folhadas a ouro) Quer mais: é um tal político bem conhecido nosso que é liso como “porco ensebado” e escapa sempre! Não conseguem prender o homem. (será por quê?) Agora ficou ainda mais difícil já que a elite paulista o elegeu deputado usando o antigo bordão “rouba mais faz”. Esse também não é menor de idade!

Conclusão: a questão da maioridade ou menoridade é séria. Não pode ser confundido com mediocridade. Não devíamos colocar em discussão nessa situação. Mais o Brasil tem fama de agir assim e isso é realmente uma pena. Corre-se o risco, de tampar o sol como a peneira, como já ocorreu outras vezes. Além do mais por que penalizar uma parte da sociedade, que por si só já vem sendo penalizada ao longo dos anos. A “corda só arrebenta do lado mais fraco”,



Pe. Carlos Ferreira da Silva, CSs
Missionário no Tocantins.

A solidão

Alguma vez você já se sentiu só? Você já procurou entrar fundo nesse sentimento de solidão para perceber o que acontece?

No vocabulário de língua portuguesa a palavra "solidão" significa: estado de quem se sente ou está só.

A solidão é um estado interno, a princípio um sentimento de que algo ou alguém está faltando. Uma sensação de separatividade e desconexão com algo ainda inconsciente, sendo que numa visão espiritualista é a separação de Deus, Eu Superior, Self, Vida ou o Todo.

Atualmente, existem em algumas cidades muitas pessoas que já moram só e que apresentam um a vida bastante independente. Não podemos dizer que são pessoas solitárias, desde que elas se sintam em paz com essa situação. Entretanto, o que se mostra é que o sentimento de solidão pode estar presente em qualquer lugar ou situação. A pessoa pode sentir solidão durante uma festa com os amigos, no trabalho e até mesmo dentro de casa com a própria família.

Cada ser humano vem sozinho ao mundo, atravessa pela vida como uma pessoa separada e morre finalmente sozinho. As fases de passagem pela vida física e para além dela trazem muitas experiências, onde tudo é passageiro e impermanente. As situações, os encontros e os fatos da vida surgem, permanecem por algum tempo e se vão.

Portanto, procure refletir quando estiver sentido solidão. Com o que você ainda está resistindo no seu momento atual? Existe algo que precisa partir e você ainda não percebeu ou não aceitou essa possibilidade?

A idéia da separação e do estar só é apenas uma ilusão, pois nada se vai totalmente e nada está separado. Ficará sempre a lembrança no qual contém toda a experiência e vivência ocorrida o que é muito rico.

Perceber que você está se sentindo só é muito importante para o seu crescimento. Utilize desse sentimento como uma alavanca para assumir plenamente a sua vida, para agir a partir de si, fortalecer a sua base e seguir em frente, manifestando a sua própria força dentro dos seus objetivos.

Tenha a sua própria companhia, dê atenção, escute, e acolha aquilo que você é e manifesta. Seja o seu melhor amigo. A partir de então, você perceberá que a solidão deixará de existir naturalmente.

Autora: Elaine Lilli Fong
Instituto União
http://www.institutouniao.com.br

terça-feira, fevereiro 06, 2007

O filósofo e o missivista

Pensadores nos ensinam a acertar a mão em cartas e e-mails
por OSCAR PILAGALLO

Caro leitor, se você algum dia hesitou em relação ao tom que deveria adotar num e-mail, leia esta carta. Você verá que não estava sozinho naquele momento de dúvida. Um recadinho de bate-pronto por e-mail todos damos conta várias vezes por dia, mas quando o assunto exige alguma elaboração muitos de nós nos perdemos. O que fazer?Não é uma questão menor. Pelo menos, vários pensadores e filósofos gastaram tinta e tutano refletindo sobre "a arte de escrever cartas". O que vai entre aspas é o nome de livrinho de Emerson Tin que a Unicamp está lançando. "Livrinho" é elogio. Com menos de 200 páginas, o autor mostra que aprendeu com os mestres citados no livro que um dos segredos da boa carta (e de resto de qualquer discurso) é a concisão, a brevidade.Tin não cita Gustave Flaubert. O autor francês que passou a vida atrás da palavra exata está fora do escopo dele. Mas, a propósito de cartas, lembrei de Flaubert que certa vez se desculpou com um amigo por ter lhe enviado uma longa carta. "Não tive tempo de escrever uma curta", anotou no PS. Faz sentido.O livro de Tin é erudito, puxa um fio histórico que tem origem na Antigüidade. É interessante por demonstrar que a nossa dificuldade em mandar um e-mail bacana hoje tem equivalente nos tempos dos pergaminhos e afins. Apesar do título, o livro não é um manual. Isso não impede que se possa dele extrair uma lista do que se deve (e não se deve) fazer ao escrever uma carta.Para começar, a carta deve ser simples. Demétrio, no século quarto antes de Cristo, já sugeria um estilo pedestre, "de maneira que mais se aproxime de uma conversa entre amigos do que da demonstração pública de um orador".Sêneca concordava, com uma qualificação. Dizia que o tom deve ser coloquial, mas advertia contra o completo despojamento do estilo epistolar. A questão do tom adequado é central. Erasmo de Rotterdam, no século XVI, abordou o tema exortando o missivista a fugir do que ele chamava de "grandiloqüência trágica". Chega a aconselhar o uso de um truque: construir um estilo tão simples que chegue a ser descuidado, mas no sentido de um descuido estudado. "Uma carta deve parecer não trabalhada e espontânea: aqueles que ansiosamente procuram palavras obsoletas ou incomuns revelam ser bárbaros."A graça é um ingrediente que não pode faltar para acrescer leveza ao texto. Gregório Nazianzeno a receitava no século IV. O problema é acertar a mão com os artifícios. Para Gregório, eles devem ser usados do mesmo modo que os fios de púrpura nos mantos, ou seja, com parcimônia.Talvez o melhor conselho seja o de Caio Júlio Victor, um dos primeiros a tratar de cartas em latim. O capítulo que fala dos destinatários é tão atual que você pode imprimir o trecho e colar na moldura do computador. Diz ele: "Uma carta escrita a um superior não deve ser jocosa; a um igual, não deve ser descortês; a um inferior, não deve ser soberba. A carta a um culto não deve ser descuidadamente escrita, nem a carta a um inculto deve ser indiferentemente composta, nem deve ser negligentemente escrita a um amigo íntimo, nem menos cordial a um não amigo".É isso, sigo o conselho dos filósofos, e não me estendo.
Abraço do Oscar.
pilagallo@duettoeditorial.com.br
A OBRA:Título: A arte de escrever cartasAutores: Anônimo de Bolonha , Erasmo de Rotterdam e Justo Lípsio Emerson Tin (organização) Editora Unicamp