terça-feira, janeiro 30, 2007

A Amazônia perto do fim - Roberto Porto

A AMAZÔNIA PERTO DO FIM

O Brasil é um país em que as pessoas estão queimando as árvores. Antônio Carlos Jobim (1927-1994)

Os habituais leitores do Direto da Redação devem imaginar o que ocorreu com a gigantesca Terra de Vera Cruz logo após Pedro Álvares Cabral (1467-1562) nela ter desembarcado a 22 de abril de 1500. É verdade que hoje está mais do que provado que o genovês Américo Vespúcio (1454-1512) e o espanhol Vicente Yanéz Pinzón (1460-1508) passearam por ela pouco antes de Cabral, todos tentando tirar o maior proveito possível do famoso Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494. Mas a história pouco mudou. As primeiras vítimas foram os índios – mortos ou aprisionados pelas tripulações e levados para Portugal e Espanha como curiosas e estrambóticas figuras humanas – e das índias, quase sempre nuas, violentadas e estupradas. Logo depois, os portugueses encarregados da colonização decidiram atacar as árvores. Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (secretaria criada em 1990), a Terra de Vera Cruz, logo depois chamada de Brasil, era riquíssima em madeiras nobres, como o Pau Brasil (hoje em extinção), Mogno, Cedro, Imbuia, Cerejeira, Ipê, Jatobá, Sucupira, Jacarandá e Pau-Ferro, entre outras. Mas a primeira vítima foi o Pau Brasil. De acordo com Edgardo Otero, que lançou, em 2006, pela Panda Books, o livro 'A Origem dos Nomes dos Países', a Ibira-Pitanga (nome que os tupi-guaranis davam ao Pau Brasil), chegava a atingir 30 metros de altura e seu tronco poderia chegar a um metro de diâmetro. Pois bem: nos primeiros 375 anos de colonização, de 1500 até 1875, os portuguêses cortaram 70 milhões de árvores, num total de 15 mil 555 por mês ou 518 por dia. Hoje o panorama pouco ou nada mudou. As madeireiras atacam indiscrimidamente as florestas brasileiras com o objetivo de atender à demanda da construção civil e das fábricas de móveis finos – Mogno e Jacarandá, por exemplo – sem que os poucos fiscais do Ibama possam controlar o tráfego de caminhões repletos de gigantescas toras que rodam pelas estradas do país. Nos últimos tempos – os anúncios invadiram a Internet – surgiram construtoras vendendo casas de madeira, pintadas ou envernizadas, principalmente para São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Mas não são casas populares – longe disso. São verdadeiros palacetes, que alardeiam a vantagem da madeira sobre o tijolo, principalmente porque podem ser desmontadas e transportadas. E é bom não esquecer as enormes queimadas provocadas por fazendeiros, que precisam de espaço para o pasto do gado ou para plantações – e dos disfarçados fornos de carvão vegetal, que têm compradores certos: a classe baixa, sem recursos para comprar o carvão mineral. E para terminar os focos de riquezas mineirais – pedras preciosas e metais – estão cada vez mais presentes escondidos nas matas que já foram vírgens. E bota tempo nisso. Em poucas e resumidas palavras, as florestas brasileiras vão chegar ao fim, em menos de 70 anos, ajudando em muito o já acelerado aquecimento global. Coitados de nossos descendentes...

O duque e o ladrão de galinha

O duque e o ladrão de galinha

Frei Betto *

Adital - O Duque de Charolais (1700-1760), nobre francês, ao retornar da caçada viu um homem que, de sua casa, observava o movimento da rua. Talvez porque naquele dia os animais lhe tenham enganado a pontaria, Charolais comentou com o cocheiro: "Vejamos se atiro bem naquele corpo!" Apontou e matou o estranho. No dia seguinte, o assassino rogou indulgência ao Duque de Orléans. Este o advertiu: "Senhor, a indulgência que solicitais deve-se à vossa distinção e qualidade de príncipe de sangue; ela vos será concedida pelo rei (Luís XV), mas ele a concederá ainda com maior presteza àquele que fizer o mesmo a vós." A impunidade é uma prerrogativa de quem possui poder. Essa é uma regra brasileira. Aqui, os Duques de Charolais são reiteradamente indultados pelo mesmo Poder Judiciário que se mostra implacável com os pobres. Nossas leis foram feitas para atenuar os crimes dos Charolais; nosso sistema prisional, para castigar impiedosamente quem furta uma lata de margarina ou é suspeita de misturar cocaína na mamadeira do bebê, embora a acusação tenha sido desmentida pelo laudo pericial. Políticos apropriam-se de recursos públicos; deputados fartam-se de emendas parlamentares; suplentes embolsam, em menos de um mês, o equivalente a 210 salários mínimos; eleitos ensinam empresas a burlarem o fisco via triangulação no exterior. Porque investidos de mandato federal, permanecem impunes até serem julgados pelo STF - que jamais mandou um deputado federal para a cadeia. Num desprezo cínico pelos eleitores, os partidos adotam uma postura conivente com os acusados, sem expulsá-los de suas fileiras e nem mesmo impedir que fossem diplomados. O que esperar das novas gerações se um importante jornalista assume que assassinou a namorada por motivo torpe e a condenação sequer lhe restringe a liberdade? Um banqueiro dá um calote de R$ 3 bilhões em seus correntistas e a Justiça o autoriza a desfrutar de sua suntuosa mansão. Um acidente aéreo mata 154 pessoas e ninguém vai para a cadeia. Uma cratera se abre nas obras do metrô de São Paulo, engolindo várias pessoas; a barragem de uma mineração se rompe, polui rios e arrasa cidades de Minas; rodovias se esfarelam - e a culpa é das chuvas, sem que qualquer pessoa seja responsabilizada e presa! Os exemplos poderiam se multiplicar. Bem conhecem o leitor ou a leitora outros tantos casos. A Polícia Federal faz o seu trabalho de investigação e detenção, o Ministério Público age em defesa da lei, mas o Judiciário, supremo intérprete do queijo suíço de nossa legislação penal, encontra sempre os buracos pelos quais os ratos passam impunemente. Assim, o jovem se pergunta: vale a pena ser honesto? Em vez de virtude e dever, a honestidade transforma-se em vergonha e humilhação. Felizmente há no Judiciário muitos com senso de justiça. E bom humor. É o caso do juiz Ronaldo Tavani, da Comarca de Varginha (MG), que em Carmo da Cachoeira concedeu liberdade provisória a um homem preso em flagrante por furtar duas galinhas e perguntar ao delegado: "Desde quando furto é crime neste Brasil de bandidos?" Eis a sentença do magistrado: "No dia cinco de outubro / do ano ainda fluente, / em Carmo da Cachoeira / terra de boa gente, / ocorreu um fato inédito / que me deixou descontente. O jovem Alceu da Costa, / conhecido por "Rolinha", / aproveitando a madrugada, / resolveu sair da linha, / subtraindo de outrem / duas saborosas galinhas. Apanhando um saco plástico / que ali mesmo encontrou, / o agente muito esperto/ escondeu o que furtou, / deixando o local do crime / da maneira como entrou. O senhor Gabriel Osório, / homem de muito tato, / notando que havia sido / a vítima do grave ato, / procurou a autoridade / para relatar-lhe o fato. Ante a notícia do crime, / a polícia diligente / tomou as dores de Osório / e formou seu contingente, / um cabo e dois soldados / e quem sabe até um tenente. Assim é que o aparato / da Polícia Militar, / atendendo a ordem expressa / do delegado titular, / não pensou em outra coisa / senão em capturar. / E depois de algum trabalho / o larápio foi encontrado / num bar foi capturado. / Não esboçou reação, / sendo conduzido então / à frente do delegado. Perguntado pelo furto/ que havia cometido, / respondeu Alceu da Costa, / bastante extrovertido: / "Desde quando furto é crime / neste Brasil de bandidos?" Ante tão forte argumento / calou-se o delegado, / mas por dever do seu cargo / o flagrante foi lavrado, / recolhendo à cadeia / aquele pobre coitado. E hoje passado um mês / de ocorrida a prisão, / chega-me às mãos o inquérito / que me parte o coração. / Solto ou deixo preso / esse mísero ladrão? Soltá-lo é decisão / que a nossa lei refuta, / pois todos sabem que a lei / é pra pobre, preto e puta... / Por isso peço a Deus / que norteie minha conduta. É muito justa a lição / do pai destas Alterosas. / Não deve ficar na prisão / quem furtou duas penosas, / se lá também não estão presas / pessoas bem mais charmosas. Desta forma é que concedo / a esse homem da simplória, / com base no CPP, / liberdade provisória, / para que volte para casa / e passe a viver na glória. Se virar homem honesto / e sair dessa sua trilha, / permaneça em Cachoeira / ao lado de sua família, / devendo, se ao contrário, / mudar-se para Brasília!!!"

Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto - autobiografia escolar" (Ática), entre outros livros. *

Frei dominicano. Escritor.