quinta-feira, junho 28, 2007

Democracia e ética

CNBB *

Adital -
Nota da CNBB sobre o momento político nacional
Nós, Bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), acompanhamos, perplexos, com todo o povo brasileiro, o momento político atual.

São freqüentes as denúncias de corrupção em várias instâncias dos Três Poderes. Cresce a indignação ética diante da violação de valores fundamentais para a sociedade. A ambição desmedida de riqueza e de poder leva à corrupção. A denúncia do profeta Isaías vale também hoje: "eles gostam de subornos, correm atrás de presentes; não fazem justiça ao órfão e a causa da viúva nem chega até eles" (Is 1,23). Por isso, as palavras do apóstolo Paulo são apropriadas para este momento: "Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem" (Rm 12,21).

A corrupção e a impunidade estão levando o povo ao descrédito na ação política e nas instituições, enfraquecendo a democracia. A crise, decorrente da falta de consciência moral, é estimulada pela ganância e marcada pelos corporativismos históricos, que utilizam as estruturas de poder para benefício próprio e de grupos.

Os empobrecidos são os mais prejudicados com o desvio das verbas públicas. Os poderes constituídos precisam assumir sua responsabilidade diante da corrupção e da impunidade. Urge também uma profunda reforma do atual sistema político, não limitada à revisão do sistema eleitoral. É necessário aprimorar os mecanismos da democracia representativa e favorecer a democracia participativa; a regulamentação do Art. 14 da Constituição Federal oferece esta possibilidade de participação por meio de referendos, plebiscitos e conselhos. A experiência de participação popular na política é uma conquista e um patrimônio precioso da sociedade.

O povo brasileiro precisa recuperar a esperança. A credibilidade e a legitimidade de nossas instituições serão asseguradas pela apuração da verdade dos fatos, pela restituição dos bens públicos apropriados ilicitamente e pela punição dos delituosos.

Queremos estimular os cristãos que, em nome da sua fé, se engajam no mundo da política, dizendo-lhes que vale a pena dedicar-se à nobre causa do bem comum. O exercício responsável da cidadania é um imperativo ético para todos.

Conclamamos as pessoas de boa vontade e as organizações da sociedade a se posicionarem com coragem, repudiando os desmandos e a impunidade, construindo uma convivência social sadia e velando pelo exercício do poder com honestidade.

Esta crise política poderá se tornar uma ocasião de amadurecimento das instituições democráticas do País, se levar a um comprometimento maior com a verdade que nos liberta e com a luta por um Brasil justo, solidário e livre, onde "justiça e paz se abraçarão" (Sl 85,11).

Brasília, 21 de junho de 2007.


Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro
Secretário-Geral da CNBB


* Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

quarta-feira, junho 27, 2007

Poesias de Martins Fontes

Como é bom ser bom!

Tu, que vês tudo pelo coração,
Que perdoas e esqueces facilmente,
E és, para todos, sempre complacente,
Bendito sejas, venturoso irmão.
Possuis a graça como inspiração
Amas, divides, dás, vives contente,
E a bondade que espalhas, não se sente,
Tão natural é a tua compaixão
.Como o pássaro tem maviosidade,
Tua voz, a cantar, no mesmo tom,
Alivia, consola e persuade.
E assim, tal qual a flor contém o dom.
De concentrar no aroma a suavidade,
Da mesma forma, tu nasceste bom.



Soneto

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez...

A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!


Minha Mãe


Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer — Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.



A canção cor de rosa


Sempre vivi de amor. Quando eu era criança,
Namorei uma estrela, adorei uma rosa...
Porém, se sempre amei, nunca tive esperança,
Nunca fiz a menor confidência amorosa...
Não sei porque motivo o coração não cansa
Da existência tornar sempre fantasiosa...
O verdadeiro amor é o que jamais se alcança,
Só se ama, a vida inteira, a ilusão caprichosa...

E é porque sei que tu não poderás ser minha,
E a tua perfeição, nem de longe, adivinha
o culto, a hiperdúlia em que vivo a envolvê-la,
Que ando, maravilhado, ao sabor do destino,
Hoje, como no tempo em que, poeta menino,
Namorava uma rosa, adorava uma estrela...




De joelhos e de mãos postas



Amas! Não pode haver bênção mais pura
Do que amar e sentir-se benquerido!
Ter o encanto, a recíproca ventura
De humanamente ser correspondido!
Amas! Sofres a máxima tortura!
Foste por teu amor desiludido!
Esvazias o Cálix da Amargura,
Abafando, em silêncio, o teu gemido!

Amas! E não conheces, em verdade,
O amor, que, em sua luminosidade,
O infinito num beijo condensou!
Porque sejas embora sábio, ou santo,
Nunca hás de amar a tua Mãe, no entanto,
Como sempre, e em segredo, ela te amou!



Adoração


Quem disser que a paixão como o fogo se apaga,
E os soluços do amor são efêmeros ais,
Que tudo é igual ao vento ou semelhante à vaga,
Não o creias jamais, não o creias jamais.
Desde o primeiro olhar, quem de amor se embriaga,
Sente que as atrações são mistérios fatais,
O amor é como o sol cuja luz se propaga,
Em crescente esplendor, em clarões imortais.

Há vinte anos em mim irradia uma aurora!
Amei! Amo! Amarei! Amanhã como outrora!
Arde o meu coração em contínuo fulgor!

É imutável, eterno o meu sonho adorado,
Para te sempre amar, bata-me haver-te amado,
O Amor do teu Amor, eis o Amor, meu Amor!



Fascinação


Amo-te, amo-te muito, amo-te ardentemente,
Sem poder confessar esta paixão profunda,
Este ciúme brutal que surge, de repente,
E os meus olhos febris de lágrimas inunda.
No desespero atroz, em que vivo e me inflamo,
O amor universal meu coração encerra!
Porque eu te amo de um modo extraordinário! eu te amo
Como ninguém amou sobre a face da terra!

Mas, como descrever esta paixão insana,
Esta implacável sede, este anseio faminto,
Se, as imagens verbais da confissão humana,
Jamais conseguirão traduzir o que eu sinto?

Ouço uma orquestra em mim, que soluça e que canta!
O coração me estala, em nervosos arpejos!
E esta música sobe, e atravessa a garganta,
E em meus lábios estruge em blasfêmias e beijos!

Eu, que nunca perdoei, tendo embora sofrido
Tanto e tanto por ti, meu único reclamo,
Perdoaria a amargura, em que tenho vivido,
Se te ouvisse dizer, à hora da morte: - "Eu te amo!"

Quando olhares o céu, como, às vezes, eu faço,
Comparando à minh'alma a noite que se eleva,
Pensa que o meu amor é imenso como o espaço,
Cheio de estrelas de ouro irradiando na treva!

Esta paixão cruel, em que vivo e palpito,
E me faz padecer, no maior desalento,
Dá-me a estranha impressão de um suplício infinito,
A certeza fatal do eterno sofrimento!


Clube de Poetas do Litoral
cplitoral@gmail.com

terça-feira, junho 26, 2007

Sobre provérbios

Cansado de falar por aí provérbios e ditos populares sem saber o quê, às vezes, eles realmente signifcam, sem saber também de sua origem ou quando foi usado pela primeira vez?
A partir de agora o Clube de Poetas do Litoral apresenta o: Proverbiando. Toda semana reapresentando frases que estão na boca do povo há muito, muito tempo
Deus ajuda a quem se ajuda

Este provérbio é de origem francesa e constitui a adaptação da moralidade de uma das fábulas de La Fontaine, "Le Chartier Embourbe". Aide-toi et le ciel t'aidera (ajuda-te e o céu te ajudará).
Com a forma aqui dicionarizada, serviu de divisa, em 1824, a uma sociedade política destinada a induzir a classe média a resistir ao governo. Essa sociedade, de que Guizot chegou a ser um dos presidentes e que teve os jornais "Le Globe" e "Le National" como seus órgãos, ajudou a promover a revolução de 1830 e foi dissolvida em 1832.
Provérbios aproximados: Deus ajuda a quem cedo madruga; Deus ajuda a quem trabalha; Deus é bom trabalhador, mas gosta que o ajude.

Cláudia Brino - Coordenadora do Clube de Poetas do Litoral -

CPL visite:

http://cplitoral.blogspot.com

http://cliquepoetico.blogspot.com

segunda-feira, junho 25, 2007

Chocolate para a alma

Olá fofuxa
Finalmente consegui ter net outra vez.
Mando este mail, não só a teu pedido, mas para te dizer que és uma mulher
muito especial. Sinceramente não sei como uma mulher como tu continua
sozinha, porque tens muitas qualidades que eu considero imprescindíveis numa
mulher e que hoje em dia (infelizmente) são tão raras... És uma romântica
"incurável", uma mulher que vai atrás dos seus sonhos e de quem ama, uma
mulher que realmente acredita no amor e, sobretudo, uma mulher apaixonada.
Não sei o que os homens daí têm na cabeça, mas sinceramente devem ser uns
idiotas por não verem a mulher que realmente és e o quanto vales, vales mais
que ouro, platina ou diamante, tu (muito sinceramente) vales o mundo. Eu
daria tudo para encontrar uma mulher como tu, sei que tenho a Susi que vale
muito também, mas sinceramente, se encontrasse alguém como tu, iria-me
apaixonar loucamente, porque tu és uma autentica "Julieta", és uma mulher
que acredita no poder no amor e que está disposta a dar todo o amor que tem
dentro de si e isso é cada vez mais raro, haver alguém que tal como eu,
acredita profundamente no amor... O que mais quero para ti é que encontres a
felicidade seja com quem for ou onde for. Tu, mais que ninguém, merece uma
oportunidade de amar e ser amada por alguém que realmente veja a mulher que
és e que te valorize por isso, tu mereces alguém muito especial que, tal
como tu, acredite no amor e esteja disposto a tudo por esse sentimento tão
belo e poderoso...
Não quero que te trates mal por não encontrares ninguém, sei bem o quão
desesperante isso é, mas o pior que te podes fazer a ti mesma é
entregares-te à depressão e comeres sem parar, porque isso não te ajuda em
nada, alias, isso só te pode prejudicar, quanto mais não seja a nível de
saúde...
Tu és uma mulher tão bela, mesmo a nível físico, não te estragues devido a
tua situação. Em vez de comeres, tenta lembrar-te de tudo o que tenho dito
vezes sem conta, é a verdade... Quando sentires vontade de comer devido a
triste depressão, tenta antes pensar: "eu sou bonita como sou e não posso
deixar esta depressão acabar com a minha beleza “... Sei que deves ter soltado
um sorriso com o que acabei de dizer, mas é a mais pura das verdades, se não
o fosse eu não o diria. Tu és uma mulher linda não só no nível interior,
mas no exterior também. Tu és simplesmente LINDA...
Beijão enorme deste teu amigão que te adora e que se preocupa muito contigo
Pedro

sábado, junho 23, 2007

O sinal

Era uma vez um sábio chamado Sidi Mehrez. Estava irritadíssimo com o lugar onde vivia, uma linda cidade à beira do Mar Mediterrâneo; homens e mulheres viviam de maneira depravada, e o dinheiro era o único valor importante. Como Mehrez era também Santo e fazia milagres, resolveu amarrar seu cachecol em torno de Tunis e atirá-la no oceano.

Os edifícios começaram a cair, o chão se levantou, os habitantes entraram em pânico, ao ver que estavam sendo empurrados em direção a morte. Desesperados, resolveram pedir ajuda a um amigo de Mehrez, chamado Sidi Ben Arous. Ben Arous conseguiu convencer o rigoroso Santo a interromper a destruição; mas desde então todas as ruas de Tunis são inclinadas.

Caminho pelo bazar desta cidade africana, trazido pelo vento desta peregrinação com a qual celebro os 20 anos do meu caminho de Santiago (1986). Estou com Adam Fathi e Samir Benali, dois escritores locais; a quinze quilômetros estão as ruínas de Cartago, que no passado remoto foi capaz de enfrentar-se com a poderosa Roma.

Passamos por um lindo edifício: em 1754, um irmão matou o outro. O pai de ambos resolveu construir este palácio para abrigar uma escola, mantendo viva a memória de seu filho assassinado. Comento que, ao fazer isso, o filho assassino também seria lembrado.

- Não é bem assim – responde Samil. - Em nossa cultura, o criminoso divide a culpa com todos que lhe permitiram cometer o crime. Quando um homem é executado, aquele que lhe vendeu a arma é também responsável diante de Deus. A única maneira do pai corrigir que considerava seu erro, foi transformando a tragédia em algo que possa ajudar os outros: ao invés da vingança que se limita ao castigo, a escola permitiu que a instrução e a sabedoria pudessem ser transmitidas há mais de dois séculos.

Em uma das portas da antiga muralha há uma lanterna. Fathi comenta o fato de eu ser um escritor conhecido, enquanto ele ainda luta por reconhecimento:

- Aqui está a origem de um dos mais célebres provérbios árabes: “a luz ilumina apenas o estrangeiro”.

Digo que Jesus fez o mesmo comentário: ninguém é profeta em sua própria terra. Tendemos sempre a valorizar aquilo que vem de longe, sem jamais reconhecer tudo de belo que está ao nosso redor.

Entramos em um antigo palácio, hoje transformado em centro cultural. Meus dois amigos começam explicar-me a história do lugar, mas minha atenção foi completamente desviada pelo som de um piano, e começo a seguí-lo pelos labirintos do edifício. Termino em uma sala onde um homem e uma mulher, aparentemente alheios ao mundo, tocam a “Marcha Turca” a quatro mãos. Lembro-me que alguns anos atrás vi algo semelhante – um pianista em um centro comercial, concentrado em sua música, sem prestar atenção às pessoas que passavam falando alto ou com o rádio ligado.

Mas aqui estamos apenas nós três e os dois pianistas. Posso ver a expressão no rosto de ambos: alegria, a mais pura e completa alegria. Não estão ali para impressionar nenhuma platéia, mas porque sentem que foi este o dom que Deus lhes deu para conversarem com suas almas. Por conseqüência, terminam também conversando as almas de Adam, Samil, Paulo, e todos nós nos sentimos mais próximos do significado da vida.

Escutamos em silêncio durante uma hora. Aplaudimos no final, e quando volto para o hotel, fico pensando na tal lanterna.

Sim, pode ser que ela apenas ilumine o estrangeiro, mas será que isso faz tanta diferença quando estamos possuídos por este gigantesco amor pelo que fazemos?

Graças a Deus, a sala está lotada para a conferência neste país africano. Deveria ser apresentado por dois intelectuais locais; nos encontramos antes, um deles tem um texto de dois minutos, o outro escreveu uma tese de um quarto de hora sobre o meu trabalho.

Com muito cuidado, o coordenador explica que é impossível a leitura da tese, já que o encontro deve durar no máximo 50 minutos. Imagino o quanto ele deve ter trabalhado no seu texto, mas penso que o coordenador tem razão: estou ali para conversar com meus leitores, esse é o principal motivo do encontro.

Começa a conferência. As apresentações duram no máximo cinco minutos, e tenho agora 45 minutos para um diálogo aberto. Digo que não estou ali para explicar nada, o interessante seria tentar estabelecer um diálogo.

Vem a primeira pergunta, de uma jovem: o que são os sinais que tanto falo em meus livros? Explico que é uma linguagem extremamente pessoal que desenvolvemos ao longo da vida, através de acertos e erros, até que entendemos quando Deus está nos guiando. Outro pergunta se foi um sinal que me trouxe a este país longínquo, eu digo que sim – estou fazendo uma viagem de 90 dias para celebrar meus 20 anos de peregrinação pelo Caminho de Santiago.

Continua a conversa, o tempo passa rapidamente, e preciso terminar a palestra. Escolho ao acaso, no meio de 600 pessoas, um homem de meia-idade, com um grosso bigode, para a pergunta final.

E o homem diz:

- Não quero fazer nenhuma pergunta. Quero apenas dizer um nome.

E diz o nome de uma pequena ermida, que fica no meio de lugar nenhum, há milhares de quilômetros do lugar onde me encontro, onde um dia eu coloquei uma placa agradecendo um milagre. E onde fui, antes desta peregrinação, pedir que a Virgem protegesse os meus passos.

Eu já não sei mais como continuar a conferência. As palavras a seguir foram escritas por Adam Fethi, um dos dois escritores que compunham a mesa:

“E de repente o Universo naquela sala parecia ter parado de mover-se. Tantas coisas aconteceram: eu vi suas lágrimas. E eu vi as lágrimas de sua doce mulher, quando aquele leitor anônimo pronunciou o nome de uma capela perdida em um lugar do mundo.

“Você perdeu a voz. O seu rosto sorridente tornou-se sério. Os seus olhos se encheram de lágrimas tímidas, que tremiam na beira dos cílios, como se desculpassem de estarem ali sem serem convidadas.

“Ali também estava eu, sentindo um nó na garganta, sem saber porque. Procurei na platéia a minha mulher e a minha filha, são elas que sempre busco quando me sinto a beira de algo que não conheço. Elas estavam lá, mas tinham os olhos fixos em você, silenciosas como todo mundo ali, procurando apoiá-lo com seus olhares, como olhares pudessem apoiar um homem.

“Então eu procurei fixar-me em Christina, pedindo socorro, tentando entender o que estava acontecendo, como terminar aquele silêncio que parecia infinito. E eu vi que também ela chorava, em silêncio, como se fossem notas da mesma sinfonia, e como se as lágrimas de vocês dois se tocassem apesar da distância.

“E durante longos segundos já não havia mais sala, nem público, nada mais. Você e sua mulher tinham partido para um lugar onde ninguém podia segui-los; tudo que existia era a alegria de viver tudo isso, que era contado apenas com o silêncio e a emoção.

“As palavras são lágrimas que foram escritas. As lágrimas são palavras que precisam jorrar. Sem elas, nenhuma alegria tem brilho, nenhuma tristeza tem um final. Portanto, obrigado por suas lágrimas”.

Deveria ter dito à moça que tinha feito a primeira pergunta – sobre os sinais – que ali estava um deles, afirmando que eu me encontrava no lugar onde devia estar, na hora certa, apesar de nunca entender direito o que me levou até ali.

Mas penso que não foi necessário: ela deve ter percebido.

Paulo Coelho

Você é mel

Parte 2

Psique: psiu!
Eros2002: não conheço esta palavra.
Psique: é uma forma de chamar alguém...
Eros2002: estava me chamando?
Psique: brincando com você, "cutucando”... rs
Eros2002: você está ok, que bom!
Psique: sim!
Eros2002: ok, você é mel!
Psique: eu?
Eros2002: sim, mel!
Psique: pare!
Eros2002: por quê?
Eros2002: mel...
Psique: olha o que combinamos...
Eros2002: ok, menina.
Eros2002: e o psiu ?
Eros2002: que me conta psiu?
Psique: eu vou brigar...
Eros2002: não, que eu não deixo!
Eros2002: você é sensual...
Psique: sim, mas lembre-se de que eu fico...
Eros2002: ok, mas você é muito doce!
Psique: obrigada!
Eros2002: nada!
Eros2002: é um pouco tarde para mim, vou me deitar.
Psique: então vá.
Eros2002: posso telefonar amanhã bem cedinho?
Psique: pode!
Eros2002: ok.
Eros2002: beijos...
Eros2002: fofinha...
Psique: beijos!
Eros2002: xau!
Psique: xau!
Eros2002: mel...
Psique: você não tem jeito mesmo!
Eros2002: ok.
Eros2002: xau!
Psique: vai me ligar a que hora?
Eros2002: na madrugada... mel!

terça-feira, junho 19, 2007

Posso telefonar?

Parte 1


“Recentemente tive que explicar a uma senhora, o que era um” Blog”. Disse-lhe que era algo bem parecido com aquele diário que a gente fazia na adolescência, só que agora em vez de papel e caneta, usa-se o computador. Alguns dias depois, ela volta a me perguntar "o que é e-mail?”.
Pacientemente, digo-lhe que é o mesmo que escrever uma carta e enviar para alguém, só que usamos o correio eletrônico.
Estou muito desconfiada de que logo ela irá me perguntar o que é um “Messenger”. Aí, vou achar mais fácil trazê-la até o computador, e deixá-la ver como isso funciona.
Bem, não imagino minha vida sem o "Drummond". Este universo de informações, a facilidade para pesquisar, os grupos, os amigos (muito bem selecionados, claro), fizeram desta máquina uma peça fundamental em minha vida.
A revista Veja, de 25 de janeiro de 2006, trás um encarte especial sobre a influência da Internet da vida dos casais: a infidelidade virtual, as fantasias sexuais, as paqueras, os encontros, enfim, as mesmas histórias de sempre - amores, encontros e desencontros - mas agora no universo virtual.
Se a minha vizinha, uma senhora com mais de 80 anos, também quiser saber sobre isso, vai dar um trabalho danado explicar. Mas vou me esforçar!
Conheço várias pessoas que começaram a namorar pela internet, um dia encontraram alguém, o namoro tornou-se real e casaram-se. Porém, nem sempre as histórias têm um final feliz. Uma amiga já namorava há alguns meses um rapaz cujo encontro foi proporcionado por este mundo virtual. A cada quinze dias, ele vinha de outro Estado para encontrá-la e, havia até uma data marcada para o casamento. Mas, como disse minha aluna Stéfani “não temos lugar neste mundo, temos tempo" ele faleceu três meses antes do enlace. E, minha amiga voltou a ser alguém à procura de um amor.
Eu também encontrei o amor aqui, uma paixão que durou alguns meses - real - e teve um final melancólico. Como diz meu amigo Edson, professor de filosofia, “faz parte".
Porém, algo que é inesquecível, também nesse mundo virtual é o primeiro namorado. O primeiro amor, ou namorado, raramente dá certo, mas permanece para sempre em nossas lembranças.
Para respeitar a privacidade do casal, troquei os nomes desse “encontro virtual”:
Psique: oi
Eros2002: olá
Psique: tudo bem com você?
Eros2002: sim, obrigado
Eros2002: está boa?
Psique: Sim, teve um bom dia?
Eros2002: obrigado, sim, e você?
Psique: melhor impossível, fui visitar uma velha tia, ela ficou feliz ao me ver.
Eros2002: sim?
Psique: irmã de meu pai.
Eros2002: Ah!
Psique: Aos 90 anos, ela é uma velhinha muito alegre e de bem com a vida...
Eros2002: sim?
Psique: gosta de passear, de bons churrascos, aliás, ela levanta o meu astral.
Eros2002: Ah! Você estava precisando?
Psique: estava
Eros2002: sim?
Psique: sim
Eros2002: “teus caminhos não são meus, mas, apenas por alguns momentos caminharemos juntos”, conhece?
Psique: claro, eu escrevi.
Eros2002: Ah!
Psique: por que está lembrando isso?
Eros2002: por que será?
Psique: ficou chateado por ontem?
Eros2002: fiquei apreensivo
Psique: então por que isso?
Eros2002: tenho receio de magoá-la
Psique: às vezes você me magoa às vezes me faz feliz...
Eros2002: sim, por quê?
Psique: às vezes dou boas risadas com você
Eros2002: mas...
Psique: só ontem, não sei por que, senti raiva.
Eros2002: sim?
Psique: eu não sei explicar
Eros2002: sim?
Psique: não sei explicar direito, fiquei pensando que você... talvez esteja apenas se divertindo comigo
Eros2002: acha que sim?
Psique: eu não sei se é isso, mas ontem, senti-me assim, compreende?
Eros2002: não!
Psique: sabe o que acho também?
Eros2002: não
Psique: falo demais das minhas emoções para você, talvez isso desestabilize nossa amizade.
Eros2002: não sei
Eros2002: acho que podemos até nos ajudarmos emotivamente, sem nos magoarmos.
Psique: é, mas não vê que eu estou me perdendo?
Eros2002: perdendo como? Acho que você se está a assustar
Psique: nunca vivi algo assim antes e isso me assusta mesmo
Eros2002: ok, eu entendo
Psique: a verdade é que não estamos sendo só amigos
Eros2002: e é assim tão mau?
Psique: e eu já lhe disse que não quero ter um namorado pela só pela internet
Eros2002: Ah! Sim?
Psique: sim!
Eros2002: apenas amigos?
Psique: um amigo de verdade não escreve essas coisas... já saímos da área da literatura e faz tempo! De poetar a quatro mãos...
Eros2002: você gostou?
Psique: sim, mas agora não gosto mais.
Eros2002: ok, não estará a exagerar um pouco?
Psique: não sei, estou?
Eros2002: se eu até me abri muito com você...
Eros2002: o que é que eu ganho com isso?
Psique: não sei...
Psique: eu lhe perguntei ontem, e pergunto de novo: o que quer de mim afinal?
Eros2002: uma grande amiga, e você o quer de mim?
Psique: gosto de conversar com você
Eros2002: e...
Psique: conversa as mesmas coisas com outras amigas da internet?
Eros2002: não, que amigas?
Psique: então...
Eros2002: então o quê?
Psique: você não tem outras amigas na internet?
Eros2002: não!
Psique: como não?
Eros2002: cada vez falo com menos pessoas aqui
Psique: e as da sua cidade?
Eros2002: quem?
Eros2002: não sei que lhe diga
Psique: você não respondeu a minha pergunta: escreve poesias para elas também?
Psique: fala a elas o que fala para mim?
Eros2002: nunca fiz!
Psique: então, você não me trata como as outras amigas certo?
Eros2002: posso fazer uma pergunta, e você não se ofende?
Psique: pergunte
Eros2002: isto é uma cena de ciúmes?
Psique: não, quero apenas deixar bem claro o que somos um para o outro...
Eros2002: mas eu não a quero aborrecer
Eros2002: e se o fiz, peço-lhe desculpa.
Psique: eu não o amo, mas tenho um grande afeto por você.
Eros2002: eu também tenho por você...
Eros2002: e, brincar com os sentimentos das pessoas é algo que nunca farei...
Psique: você me deixa confusa, em conflito comigo mesma...
Eros2002: ok entendi
Eros2002: que quer que eu faça?
Psique: trate-me como uma amiga de verdade
Eros2002: ok, assim será
Psique: eu acho que assim ficaremos bem, não quero perder a sua amizade.
Eros2002: ok, mas como perderia a minha amizade?
Psique: do jeito que estamos, vamos acabar brigando, não percebe? Acho até que estamos discutindo nesse momento
Eros2002: ok, você pode contar comigo.
Psique: obrigada
Psique: ufa! Que conversa difícil!
Eros2002: não, fácil
Eros2002: posso lhe fazer uma pergunta?
Psique: pergunte!
Eros2002: posso voltar a telefonar?
Psique: com certeza
Eros2002: E ouvir a sua bela voz, esse riso maravilhoso?
Eros2002: adoro a sua voz!
Eros2002: e fim!

Geração pós-moderna

Frei Betto *

Adital -
A pós-modernidade não nega a modernidade; antes, celebra suas conquistas, como o positivismo entranhado nas ciências, a razão tecnocientífica a pontificar sobre a intuição e a inteligência, o triunfo do capitalismo em suas versões neoliberal e, agora, neofascista, contrapondo, por via da guerra, o fundamentalismo econômico - o capital como valor supremo - ao fundamentalismo religioso.
Frente ao darwinismo socioeconômico, a cultura mergulha em profunda crise. Os valores monetários do mercado se sobrepõem aos valores morais da ética. Os grandes relatos se calam, a história como processo se desacelera, as ideologias críticas agonizam. O futuro recua perante o imperativo de perenização do presente. Tudo se congela nessa idéia absurda de que a vida é ‘aqui e agora’. A velhice é encarada como doença e a morte como abominação. A felicidade é reduzida à soma de prazeres e os bens finitos mais cobiçados que os infinitos.
Sabe-se o que não se quer, não o que se quer. As utopias ruíram com o Muro de Berlim. Maio de 68 não logrou expandir-se além das fronteiras do corpo liberto do peso da culpa. Os projetos revolucionários quedaram como a estampa do Che pregada na parede ou reproduzida na camiseta. "E há tempos nem os santos têm ao certo / a medida da maldade. / Há tempos são os jovens que adoecem. / Há tempos o encanto está ausente. / E há ferrugem nos sorrisos. / E só o acaso estende os braços / a quem procura abrigo e proteção," canta Renato Russo.
Hegel nos ensinou a pensar a realidade e seu discípulo, Marx, a transformá-la. Esqueceram-se do ensinamento bíblico de que é preciso mudar o coração de pedra em coração de carne. O novo, na ciência e na técnica, não fez novo o coração humano, agora assolado pelo sentimento de impotência, de fatalismo, de cinismo. É a cultura do grande vazio respirada pelos jovens de hoje. Caminham de Prometeu a Narciso e, no meio do percurso, deixam à margem o heroísmo de Sísifo. Não lhes importa que a pedra role ladeira abaixo, importa é desfrutar da vida.
Capitulados diante das exigências de construir o novo, olvidados Hegel e Marx, as mudanças históricas sonhadas por minha geração de 68 agora se resumem ao corpo, à moda, aos gostos e caprichos individuais. Na prateleira, a literatura libertária é substituída por esoterismo, astrologia e auto-ajuda. Já que a sociedade é imutável, há que desfrutá-la. E já que não se pode mudar o mundo, ao menos há que encontrar terapias literárias que sirvam de vacina contra um profundo sentimento de frustração e derrota.
Na ânsia de eternizar o presente, buscam-se artifícios que prolonguem a vida: malhação, dietas, vitaminas, cirurgias estéticas etc. Urge manter-se eternamente jovem. Velhice, rugas, obesidade, cabelos brancos, músculos flácidos, perda de vigor juvenil e beleza física, eis os fantasmas que amedrontam a alma lúdica, luxuriosa, de quem não sabe o rumo a imprimir à existência. Como apregoa o Manifesto Hedonista (E. Guisan 1990), "o gozo é o alfa e o ômega, o princípio e o fim."
Privatiza-se o existir, encerra-se num individualismo que se gaba de sua indiferença frente aos dramas alheios, e predomina a insensibilidade às questões coletivas. A ética cede lugar à estética. A política é encarada com nojo e, a vida, como um videoclipe anabolizado por dinheiro, fama e beleza.
Surge a primeira geração sem culpa, despolitizada de compromissos, repleta de jovens entediados, céticos, insatisfeitos, fragmentados. Geração de reduzida capacidade de maravilhar-se, entusiasmar-se, comprometer-se. Uma geração desencantada: "Vivo en el número siete, / calle Melancolia, / quiero mudarme hace años / al barrio de la alegria. / Pero siempre que lo intento, / ha salido ya el tranvía / y en la escalera me siento, / a silbar mi melodía" (J.Sabina).
Agora cada um tem a sua verdade e ninguém se incomoda com a verdade do outro. Nem se deixa questionar por ela. O diálogo face a face é descartado em favor do diálogo virtual via internet, onde cada parceiro pode fingir o que não é e disfarçar sua baixa auto-estima. Nas relações pessoais, inverte-se o itinerário de minha geração, que ia do amor ao sexo; agora, vai-se do sexo ao sexo, na esperança de que, súbito, desponte o milagre do amor.
Nesse nebuloso mundo pós-moderno, a visão é obscurecida. Perde-se a dimensão da floresta, avista-se apenas uma ou outra árvore. Assim, fica-se indignado com a violência urbana e clama-se pela redução da maioridade penal e pela pena de morte. Quem se indigna com a violência estrutural de uma nação que condena milhões de jovens à desescolarização precoce e ao desemprego?
Vale de (mau) exemplo a Justiça de Bush, que condenou a 100 anos de prisão o soldado que, no Iraque, estuprou e matou uma jovem de 14 anos. Enquanto isso, a chuva de bombas made in USA tira a vida de 700 mil iraquianos, sem distinguir inocentes, crianças e idosos. Quem haverá de pagar por tamanha atrocidade?



Frei Betto é escritor, autor de "Treze contos diabólicos e um angélico" (Planeta), entre outros livros.

sábado, junho 09, 2007

Poesias de Líria Porto

Rotina
Líria Porto

a voz de um relógio tique-taquerepete
sem sotaque a voz do tempo
passamos nossos dias tão iguais
e sem o perceber envelhecemos

Lealdade
Líria porto

por ti eu façoseguro a onda no braço
e se o mar te der rasteira
amarro-o numa coleira
arrasto-o para as areias
do deserto de saara


Pedra-sabão
Líria porto

escrevo no peito o vento que passa
o sol a vidraça a chuva a neblina
escrevo no peito o doce a cachaça
o queijo a coalhada o mapa de minas

escrevo no peito as ruas estrada
sas flores a praça o laço de fita
escrevo no peito a tarde a alvorada
a lua as estrelas a noite bonita

escrevo no peito a terra um jazigo
o chão a florada a serra o jardim
escrevo no peito opalas sem fim

a mãe meus irmãos as filhas o amigo
o cheiro os costumes a bruma a brisa
depois eu me abraço e fecho a camisa

Das eternidades
Líria porto

desistir posso desisto
mas esquecer não me peças
sou destas peças antigas
onde se guardam relíquias
o amor é uma delas

quarta-feira, junho 06, 2007

Meditação andando

Chego a Santiago de Compostela, desta vez de carro, para
celebrar minha peregrinação há vinte anos. Quando estava Puente La
Reina, veio a idéia de fazer tardes de autógrafos sem grandes
preparações: bastava telefonar para a próxima cidade onde
deveríamos dormir, pedir que colocassem um cartaz na livraria
local, e estaria ali na hora marcada. Funcionou magnificamente nas pequenas aldeias, embora exigindo um
pouco mais de organização em grandes cidades, como a própria
Santiago de Compostela. Tive um contato inesperado com os
leitores, e aprendi que coisas feitas com amor podem ter o
improviso como um grande aliado.Santiago estava agora diante de mim. E algumas dezenas de kms mais
adiante, o Oceano Atlântico. Mas estou decidido a seguir adiante
com as tais tardes de autógrafos improvisadas, já que pretendo
ficar noventa dias fora de casa. E como não pretendo atravessar o oceano neste momento, devo ir
para a direita (Santander, Pais Basco) ou esquerda (Guimarães,
Portugal)? Melhor deixar que o destino escolha: minha mulher e eu entramos em
um bar, e perguntamos a um homem que está tomando um café: direita
ou esquerda? Ele diz com convicção que devemos seguir à esquerda –
talvez pensando que nos referíamos a partidos políticos.Telefono para o meu editor português. Ele não pergunta que loucura
é essa, não reclama de avisá-lo em cima da hora. Duas horas mais
tarde me chama, diz que contatou as rádios locais de Guimarães e
Fátima, e em 24 horas posso estar com meus leitores naquelas
cidades. Tudo dá certo. E em Fátima, como um sinal, recebo um presente de uma das pessoas
que estão ali. Trata-se dos escritos de um monge budista, Thich
Nhat Hanh, intitulado “The long road to joy” (A longa estrada para
a alegria). A partir daquele momento, antes de continuar esta
jornada de 90 dias pelo mundo, passo a ler todas as manhãs as
sábias palavras de Nhat Hanh, que resumo a seguir:1] Você já chegou. Portanto, sinta o prazer em cada passo, e não
fique preocupado com as coisas que ainda tem que superar. Não
temos nada diante de nós, apenas um caminho para ser percorrido a
cada momento com alegria. Quando praticamos a meditação peregrina,
estamos sempre chegando, nosso lar é o momento atual, e nada mais.2] Por causa disso, sorria sempre enquanto andar. Mesmo que tiver
que forçar um pouco, e achar-se ridículo. Acostume-se a sorrir, e
terminará alegre. Não tenha medo de mostrar seu contentamento.3] Se pensa que paz e felicidade estão sempre adiante, jamais
conseguirá atingi-las. Procure entender que ambas são suas
companheiras de viagem.4] Quando anda, está massageando e honrando a terra. Da mesma
maneira, a terra está procurando ajudá-lo a equilibrar seu
organismo e sua mente. Entenda esta relação, e procure respeitá-la
– que seus passos sejam dados com a firmeza de um leão, a
elegância de um tigre, a dignidade de um imperador.5] Preste atenção ao que acontece a sua volta. E concentre-se em
sua respiração – isso o ajudará a libertar-se dos problemas e das
ansiedades que tentam acompanhá-lo em seu caminho.6] Ao caminhar, não é apenas você que está se movendo, mas todas
as gerações passadas e futuras. No mundo chamado de “real” o tempo
é uma medida, mas no verdadeiro mundo não existe nada além do
momento presente. Tenha plena consciência que tudo que já
aconteceu e tudo o que acontecerá está em cada passo seu.7] Divirta-se. Faça da meditação peregrina um constante encontro
consigo mesmo; jamais uma penitência em busca de recompensas. Que
sempre cresçam flores e frutas nos lugares onde seus pés tocaram.

Paulo Coelho

Dimensão holística do ser

Sócrates foi condenado à morte por heresia, como Jesus. Acusaram-no de pregar aos jovens novos deuses. Tal iluminação não lhe abriu os olhos diante do céu, e sim da terra. Percebeu não poder deduzir do Olimpo uma ética para os humanos. Os deuses do Olimpo podiam explicar a origem das coisas, mas não ditar normas de conduta.
A mitologia, repleta de exemplos nada edificantes, obrigou os gregos a buscar na razão os princípios normativos de nossa boa convivência social. A promiscuidade reinante no Olimpo, objeto de crença, não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.
Se a moral não decorre dos deuses, então somos nós, seres racionais, que devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado Creonte proíbe Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusa a obedecer "leis não escritas, imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram". É a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.
Para Sócrates, a ética exige normas constantes e imutáveis. Não pode ficar na dependência da diversidade de opiniões. Platão trouxe luzes ensinando-nos a discernir realidade e ilusão. Em República, lembra que para Trasímaco a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Conceito retomado por Marx e aplicado à ideologia.
O que é o poder? É o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade à dos demais.
Aristóteles nos arranca do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, santo Tomás, inspirado em Aristóteles, nos dará as primícias de uma ética política, priorizando o bem comum e valorizando a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável. Maquiavel, na contramão, destituirá a política de toda ética, reduzindo-a ao mero jogo de poder, onde os fins justificam os meios.
Kant dirá que a grandeza do ser humano não reside na técnica, em subjugar a natureza, e sim na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir de sua liberdade. Há em nós um senso inato do dever e não deixamos de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. E nossa ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à sua boa convivência, normas e leis e, sobretudo, a cooperação de uns com os outros.
Hegel e Marx acentuarão que a nossa liberdade é sempre condicionada, relacional, pois consiste numa construção de comunhões, com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.
Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressalta a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.
A filosofia moderna fará uma distinção aparentemente avançada e que, de fato, abre novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. O problema desse enunciado é que desloca a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).
Essa distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o oprimido e o excluído? Daí a importância do conceito de cidadania. As pessoas são diferentes e, numa sociedade desigual, tratadas segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é um ser dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.
O capitalismo associa liberdade ao dinheiro, ou seja, ao consumo. A pessoa se sente livre enquanto satisfaz seus desejos de consumo e, através da técnica e da ciência, domina a natureza. A visão analítica não se pergunta pelo significado desse consumismo e pelo sentido desse domínio. E, de repente, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza: o aquecimento global faz soar o alarme de um novo dilúvio que, desta vez, não virá pelas águas, e sim pelo fogo, sem chances de uma nova Arca de Noé.
A recente consciência ecológica nos amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Lembre-se: não falamos de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões. Tudo nos diz respeito e toda a natureza possui a sua racionalidade imanente. Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar agora da dimensão holística da ética.
O ponto de partida da ética é assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é sempre processo individual e social. A ótica neoliberal diz que cada um deve se contentar com o seu mundinho. Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?
Frei Betto é escritor, autor de "A obra do artista - uma visão holística do Universo" (Ática), entre outros livros.
Frei Beto * Frei dominicano. Escritor.