Pensadores nos ensinam a acertar a mão em cartas e e-mails
por OSCAR PILAGALLO
Caro leitor, se você algum dia hesitou em relação ao tom que deveria adotar num e-mail, leia esta carta. Você verá que não estava sozinho naquele momento de dúvida. Um recadinho de bate-pronto por e-mail todos damos conta várias vezes por dia, mas quando o assunto exige alguma elaboração muitos de nós nos perdemos. O que fazer?Não é uma questão menor. Pelo menos, vários pensadores e filósofos gastaram tinta e tutano refletindo sobre "a arte de escrever cartas". O que vai entre aspas é o nome de livrinho de Emerson Tin que a Unicamp está lançando. "Livrinho" é elogio. Com menos de 200 páginas, o autor mostra que aprendeu com os mestres citados no livro que um dos segredos da boa carta (e de resto de qualquer discurso) é a concisão, a brevidade.Tin não cita Gustave Flaubert. O autor francês que passou a vida atrás da palavra exata está fora do escopo dele. Mas, a propósito de cartas, lembrei de Flaubert que certa vez se desculpou com um amigo por ter lhe enviado uma longa carta. "Não tive tempo de escrever uma curta", anotou no PS. Faz sentido.O livro de Tin é erudito, puxa um fio histórico que tem origem na Antigüidade. É interessante por demonstrar que a nossa dificuldade em mandar um e-mail bacana hoje tem equivalente nos tempos dos pergaminhos e afins. Apesar do título, o livro não é um manual. Isso não impede que se possa dele extrair uma lista do que se deve (e não se deve) fazer ao escrever uma carta.Para começar, a carta deve ser simples. Demétrio, no século quarto antes de Cristo, já sugeria um estilo pedestre, "de maneira que mais se aproxime de uma conversa entre amigos do que da demonstração pública de um orador".Sêneca concordava, com uma qualificação. Dizia que o tom deve ser coloquial, mas advertia contra o completo despojamento do estilo epistolar. A questão do tom adequado é central. Erasmo de Rotterdam, no século XVI, abordou o tema exortando o missivista a fugir do que ele chamava de "grandiloqüência trágica". Chega a aconselhar o uso de um truque: construir um estilo tão simples que chegue a ser descuidado, mas no sentido de um descuido estudado. "Uma carta deve parecer não trabalhada e espontânea: aqueles que ansiosamente procuram palavras obsoletas ou incomuns revelam ser bárbaros."A graça é um ingrediente que não pode faltar para acrescer leveza ao texto. Gregório Nazianzeno a receitava no século IV. O problema é acertar a mão com os artifícios. Para Gregório, eles devem ser usados do mesmo modo que os fios de púrpura nos mantos, ou seja, com parcimônia.Talvez o melhor conselho seja o de Caio Júlio Victor, um dos primeiros a tratar de cartas em latim. O capítulo que fala dos destinatários é tão atual que você pode imprimir o trecho e colar na moldura do computador. Diz ele: "Uma carta escrita a um superior não deve ser jocosa; a um igual, não deve ser descortês; a um inferior, não deve ser soberba. A carta a um culto não deve ser descuidadamente escrita, nem a carta a um inculto deve ser indiferentemente composta, nem deve ser negligentemente escrita a um amigo íntimo, nem menos cordial a um não amigo".É isso, sigo o conselho dos filósofos, e não me estendo.
Abraço do Oscar.
pilagallo@duettoeditorial.com.br
A OBRA:Título: A arte de escrever cartasAutores: Anônimo de Bolonha , Erasmo de Rotterdam e Justo Lípsio Emerson Tin (organização) Editora Unicamp
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