quarta-feira, junho 27, 2007

Poesias de Martins Fontes

Como é bom ser bom!

Tu, que vês tudo pelo coração,
Que perdoas e esqueces facilmente,
E és, para todos, sempre complacente,
Bendito sejas, venturoso irmão.
Possuis a graça como inspiração
Amas, divides, dás, vives contente,
E a bondade que espalhas, não se sente,
Tão natural é a tua compaixão
.Como o pássaro tem maviosidade,
Tua voz, a cantar, no mesmo tom,
Alivia, consola e persuade.
E assim, tal qual a flor contém o dom.
De concentrar no aroma a suavidade,
Da mesma forma, tu nasceste bom.



Soneto

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez...

A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!


Minha Mãe


Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer — Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.



A canção cor de rosa


Sempre vivi de amor. Quando eu era criança,
Namorei uma estrela, adorei uma rosa...
Porém, se sempre amei, nunca tive esperança,
Nunca fiz a menor confidência amorosa...
Não sei porque motivo o coração não cansa
Da existência tornar sempre fantasiosa...
O verdadeiro amor é o que jamais se alcança,
Só se ama, a vida inteira, a ilusão caprichosa...

E é porque sei que tu não poderás ser minha,
E a tua perfeição, nem de longe, adivinha
o culto, a hiperdúlia em que vivo a envolvê-la,
Que ando, maravilhado, ao sabor do destino,
Hoje, como no tempo em que, poeta menino,
Namorava uma rosa, adorava uma estrela...




De joelhos e de mãos postas



Amas! Não pode haver bênção mais pura
Do que amar e sentir-se benquerido!
Ter o encanto, a recíproca ventura
De humanamente ser correspondido!
Amas! Sofres a máxima tortura!
Foste por teu amor desiludido!
Esvazias o Cálix da Amargura,
Abafando, em silêncio, o teu gemido!

Amas! E não conheces, em verdade,
O amor, que, em sua luminosidade,
O infinito num beijo condensou!
Porque sejas embora sábio, ou santo,
Nunca hás de amar a tua Mãe, no entanto,
Como sempre, e em segredo, ela te amou!



Adoração


Quem disser que a paixão como o fogo se apaga,
E os soluços do amor são efêmeros ais,
Que tudo é igual ao vento ou semelhante à vaga,
Não o creias jamais, não o creias jamais.
Desde o primeiro olhar, quem de amor se embriaga,
Sente que as atrações são mistérios fatais,
O amor é como o sol cuja luz se propaga,
Em crescente esplendor, em clarões imortais.

Há vinte anos em mim irradia uma aurora!
Amei! Amo! Amarei! Amanhã como outrora!
Arde o meu coração em contínuo fulgor!

É imutável, eterno o meu sonho adorado,
Para te sempre amar, bata-me haver-te amado,
O Amor do teu Amor, eis o Amor, meu Amor!



Fascinação


Amo-te, amo-te muito, amo-te ardentemente,
Sem poder confessar esta paixão profunda,
Este ciúme brutal que surge, de repente,
E os meus olhos febris de lágrimas inunda.
No desespero atroz, em que vivo e me inflamo,
O amor universal meu coração encerra!
Porque eu te amo de um modo extraordinário! eu te amo
Como ninguém amou sobre a face da terra!

Mas, como descrever esta paixão insana,
Esta implacável sede, este anseio faminto,
Se, as imagens verbais da confissão humana,
Jamais conseguirão traduzir o que eu sinto?

Ouço uma orquestra em mim, que soluça e que canta!
O coração me estala, em nervosos arpejos!
E esta música sobe, e atravessa a garganta,
E em meus lábios estruge em blasfêmias e beijos!

Eu, que nunca perdoei, tendo embora sofrido
Tanto e tanto por ti, meu único reclamo,
Perdoaria a amargura, em que tenho vivido,
Se te ouvisse dizer, à hora da morte: - "Eu te amo!"

Quando olhares o céu, como, às vezes, eu faço,
Comparando à minh'alma a noite que se eleva,
Pensa que o meu amor é imenso como o espaço,
Cheio de estrelas de ouro irradiando na treva!

Esta paixão cruel, em que vivo e palpito,
E me faz padecer, no maior desalento,
Dá-me a estranha impressão de um suplício infinito,
A certeza fatal do eterno sofrimento!


Clube de Poetas do Litoral
cplitoral@gmail.com

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