Chego a Santiago de Compostela, desta vez de carro, para
celebrar minha peregrinação há vinte anos. Quando estava Puente La
Reina, veio a idéia de fazer tardes de autógrafos sem grandes
preparações: bastava telefonar para a próxima cidade onde
deveríamos dormir, pedir que colocassem um cartaz na livraria
local, e estaria ali na hora marcada. Funcionou magnificamente nas pequenas aldeias, embora exigindo um
pouco mais de organização em grandes cidades, como a própria
Santiago de Compostela. Tive um contato inesperado com os
leitores, e aprendi que coisas feitas com amor podem ter o
improviso como um grande aliado.Santiago estava agora diante de mim. E algumas dezenas de kms mais
adiante, o Oceano Atlântico. Mas estou decidido a seguir adiante
com as tais tardes de autógrafos improvisadas, já que pretendo
ficar noventa dias fora de casa. E como não pretendo atravessar o oceano neste momento, devo ir
para a direita (Santander, Pais Basco) ou esquerda (Guimarães,
Portugal)? Melhor deixar que o destino escolha: minha mulher e eu entramos em
um bar, e perguntamos a um homem que está tomando um café: direita
ou esquerda? Ele diz com convicção que devemos seguir à esquerda –
talvez pensando que nos referíamos a partidos políticos.Telefono para o meu editor português. Ele não pergunta que loucura
é essa, não reclama de avisá-lo em cima da hora. Duas horas mais
tarde me chama, diz que contatou as rádios locais de Guimarães e
Fátima, e em 24 horas posso estar com meus leitores naquelas
cidades. Tudo dá certo. E em Fátima, como um sinal, recebo um presente de uma das pessoas
que estão ali. Trata-se dos escritos de um monge budista, Thich
Nhat Hanh, intitulado “The long road to joy” (A longa estrada para
a alegria). A partir daquele momento, antes de continuar esta
jornada de 90 dias pelo mundo, passo a ler todas as manhãs as
sábias palavras de Nhat Hanh, que resumo a seguir:1] Você já chegou. Portanto, sinta o prazer em cada passo, e não
fique preocupado com as coisas que ainda tem que superar. Não
temos nada diante de nós, apenas um caminho para ser percorrido a
cada momento com alegria. Quando praticamos a meditação peregrina,
estamos sempre chegando, nosso lar é o momento atual, e nada mais.2] Por causa disso, sorria sempre enquanto andar. Mesmo que tiver
que forçar um pouco, e achar-se ridículo. Acostume-se a sorrir, e
terminará alegre. Não tenha medo de mostrar seu contentamento.3] Se pensa que paz e felicidade estão sempre adiante, jamais
conseguirá atingi-las. Procure entender que ambas são suas
companheiras de viagem.4] Quando anda, está massageando e honrando a terra. Da mesma
maneira, a terra está procurando ajudá-lo a equilibrar seu
organismo e sua mente. Entenda esta relação, e procure respeitá-la
– que seus passos sejam dados com a firmeza de um leão, a
elegância de um tigre, a dignidade de um imperador.5] Preste atenção ao que acontece a sua volta. E concentre-se em
sua respiração – isso o ajudará a libertar-se dos problemas e das
ansiedades que tentam acompanhá-lo em seu caminho.6] Ao caminhar, não é apenas você que está se movendo, mas todas
as gerações passadas e futuras. No mundo chamado de “real” o tempo
é uma medida, mas no verdadeiro mundo não existe nada além do
momento presente. Tenha plena consciência que tudo que já
aconteceu e tudo o que acontecerá está em cada passo seu.7] Divirta-se. Faça da meditação peregrina um constante encontro
consigo mesmo; jamais uma penitência em busca de recompensas. Que
sempre cresçam flores e frutas nos lugares onde seus pés tocaram.
Paulo Coelho
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