No incomensurável universo da mente humana, habitam inexpugnáveis segredos. Não há como negar que, em alguns dias nos apresentamos a nós mesmos de mal com a vida. Acordamos tristes, angustiados, e até azedos. Quase armados para reagir a qualquer provocação. Mal cumprimentamos as pessoas e, não raro, emitimos respostas desagradáveis, movidas a monossílabos. Trata-se de um conflito que estabelecemos com protagonistas e motivos desconhecidos, que merece análise baseada em exemplos narrados pelas próprias personagens.
Um privilegiado executivo apresentava esse comportamento periodicamente e não exibia qualquer escrúpulo ao ignorar ou maltratar as pessoas à sua volta. Num desses dias aziagos, encontrando defeituoso o elevador do prédio, obriga-se a subir pela escada. Num dos corredores funciona uma clínica para crianças portadoras de necessidades especiais. O bem trajado homem, de cara amarrada, com o mau-humor acrescido pela imprevista caminhada, é abordado por uma criança que procura a porta da clínica e que manifesta visível dificuldade para falar e andar. Naquela menina, cujo aparelho de correção da arcada dentária, se sobressai incomodamente, ele vê um largo e espontâneo sorriso. Sente que lhe atingem o coração os acenos de agradecimento daquele surpreendente ser que esparrama alegria e disposição. Ainda estupefato, como se perguntasse “está sorrindo por quê”? Diante daquela inimaginável felicidade, vê aproximar-se um segundo rostinho, também sorridente. Um garoto desprovido de um dos braços, além de extremamente dificultado no andar. O portador de uma perna mecânica lhe oferece um meigo “bom dia” e, após observar sua surpresa, termina de abatê-lo com a simpática pergunta: “O Sr. está bem, precisa de ajuda?”
O homem de terno e maleta importada acena ao garoto e sobe as escadas sem conseguir conter as lágrimas que banham seu rosto. Ele sente que chora, o que não fazia há muito tempo... e chora de vergonha, vergonha de si mesmo. Tenta restabelecer-se reabilitando, quem sabe, o seu mau-humor, mas... nem se lembra do motivo.
Adentra ao seu escritório, nem sente o cansaço da escadaria, somente sente vergonha e repugnância de si mesmo. Toma seu lugar junto ao computador e, antes de iniciar mais um dia de trabalho, começa a escrever:
- Somos perfeitos, conseguimos tudo, ou quase tudo de que precisamos para estar de bem com a vida, mas corremos em busca de mais. E nos esquecemos de que tantos precisam do que para nós seria tão pouco. Corremos tanto em busca de tantas coisas que, conquistadas, são esquecidas em um canto qualquer, como inútil troféu de alguma conquista apagada nas páginas do jornal envelhecido.
- Às vezes, somos tristes, distribuímos o mau-humor, insatisfeitos, irritadiços e ansiosos, sem olhar para tantos que vivem esparramando alegria alicerçados numa vida simples, voltada para a natureza, no sadio convívio de um modesto lar, onde as crianças brincam até o final da tarde quando o pai chega para abraçá-las, oferecendo-lhes o pouco que conquista com muito amor.
- Quantas vezes passamos eretos, com a mente atribulada pelo trabalho, de olho no relógio, sem olhar para o lado, sem ver a dose profunda de sacrifício, dedicação e amor que movem a esperança de outros, vinculados ao labor humilde, à modesta vestimenta, à parca alimentação, mas que encontram a alegria e até o lazer no próprio trabalho, na própria maneira de ser, de viver.
- Passamos sem saber que, talvez esses ao nosso lado, a quem nenhuma importância atribuímos, não saíram de casa sem agradecer a Deus pela vida e pelo que ela proporciona a cada dia, a cada momento. Não vemos que nos mais humildes podemos encontrar o entusiasmo que nos falta, a força de vontade de que precisaremos para encarar os dias que virão. Esses que sempre acreditam que os dias efetivamente virão, e já estão felizes, só por isso.
- Quantas vezes voltamos para casa, acabrunhados, tensos, indispostos por qualquer imprevisto no trabalho, e perdemos maravilhosas oportunidades de desfrutar de divinas mensagens representadas pelas crianças com seus brinquedos, suas flores e seus pequenos animais.
- Oh Deus, peço ajuda para superar a vergonha que sinto de minha pobreza espiritual. Senhor permita-me conseguir um pouquinho da riqueza desses que parecem não ter nada, e me ensinam tanto, em tão poucos minutos. Na verdade, agora vejo que têm muito, muito mais que eu. São os verdadeiros ricos, que vivem felizes... Obrigado Senhor.
PECAJO
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